O justiçamento de Henning Albert Boilesen


"Olho por olho, dente por dente": o empresário Henning Albert Boilesen, presidente do Grupo Ultra, após ser executado a tiros por um comando guerrilheiro. São Paulo, 15 de abril de 1971. O justiçamento era uma represália ao envolvimento de Boilesen com a tortura e repressão de militantes que se opunham à ditadura militar.

Nascido na Dinamarca, Henning Albert Boilesen mudou-se para o Brasil na década de trinta, estabelecendo uma bem sucedida trajetória empresarial. Figura de destaque da alta sociedade paulistana, Boilesen ocupou o cargo de presidente do Rotary Club e foi um dos fundadores do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). Nos anos sessenta, assumiu a presidência do Grupo Ultra - conglomerado atuante nos setores de distribuição de combustíveis, do qual fazem parte empresas como a Ultragaz e os postos Ipiranga. Também integrou a diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).

Foram as atividades políticas de Boilesen, entretanto, que o tornaram bem conhecido no país. Anticomunista fervoroso, Boilesen foi um apoiador entusiasmado do golpe de 1964 e da ditadura militar, justificando o Estado de exceção como uma medida necessária para impedir um alegado "processo de cubanização" do Brasil. Boilesen foi um dos primeiros executivos a contribuir financeiramente com o aparato repressivo da ditadura, doando grandes somas de dinheiro para a Operação Bandeirante (OBAN). Criada em junho de 1969 e custeada com doações do empresariado paulista (sobretudo por integrantes da FIESP), a OBAN era uma unidade de repressão incumbida de perseguir, torturar e assassinar opositores do regime militar. Seu integrante mais conhecido foi o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. A OBAN foi o embrião do Destacamento de Operações e Informações - Coordenação de Defesa Interna (DOI-CODI), os centros de tortura e assassinato da ditadura militar.

Além de contribuir financeiramente com a OBAN, Boilesen arregimentava outros empresários para patrocinarem a iniciativa, coordenando a principal rede de financiamento do aparelho repressivo. Boilesen era amigo pessoal de vários torturadores, nomeadamente de Sérgio Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Também era próximo da cúpula do regime, em especial do então Ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, e atuou como informante da Agência Central de Inteligência do governo dos Estados Unidos (CIA).

A lealdade ao regime militar rendeu frutos. Boilesen foi agraciado com contratos multimilionários do governo federal ao longo dos anos sessenta. Seu apoio à repressão, entretanto, ultrapassava a esfera do fanatismo ideológico ou do interesse econômico. Boilesen era conhecido pelo seu sadismo. O empresário tinha o hábito de frequentar a Operação Bandeirante para ver pessoalmente o sofrimento dos presos e acompanhar as sessões de tortura e as execuções. Também seguia o amigo Fleury nos espancamentos dos porões do DOPS. Boilesen chegou a importar dos Estados Unidos um instrumento de tortura que soltava descargas elétricas crescentes, que recebeu o apelido de "pianola Boilesen".

A participação do empresário no financiamento da repressão levou a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) a elaborarem um plano para executá-lo. Em 15 de abril de 1971, Boilesen foi encurralado nos arredores da sua residência na Alameda Casa Branca, bairro paulistano dos Jardins. O empresário tentou fugir, mas foi alvejado com 19 tiros e morreu agonizando na sarjeta. No local, os guerrilheiros deixaram panfletos assumindo a autoria do justiçamento, nos quais se lia: “Henning Albert Boilesen foi justiçado, não pode mais fiscalizar pessoalmente as torturas e assassinatos na Oban. Olho por olho, dente por dente”.

A imprensa tratou seu assassinato como um episódio de "terrorismo da esquerda" e o retratou como uma vítima inocente, em reportagens recheadas de epítetos como "pai de família", "cidadão de bem", "empresário imbuído de espírito cívico", "torcedor fanático do Palmeiras" e "amante da arte e da cultura brasileira". Uma rua em São Paulo foi batizada em sua homenagem. A história do empresário e de seu justiçamento são temas do documentário "Cidadão Boilesen", dirigido por Chaim Lietwski. A obra venceu a edição de 2009 do festival "É Tudo Verdade".

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