O Projeto MK Ultra
Memorando da CIA datado de 13 de abril de 1953 informa sobre o início do Projeto MK Ultra — programa secreto de experiências em seres humanos que visava aperfeiçoar técnicas de lavagem cerebral e controle mental. Ao longo de duas décadas, o Projeto MK Ultra manteve ao menos 149 linhas de pesquisa baseadas em administração de drogas, tortura e técnicas de manipulação mental, envolvendo 80 instituições distintas, entre escolas, universidades, hospitais e penitenciárias.
O Projeto MK Ultra foi desenvolvido pelo governo dos Estados Unidos a partir das experiências conduzidas pelos cientistas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Após o término do conflito, documentos relativos às experiências de controle mental, tortura e vivissecção realizados no campo de concentração de Dachau foram encaminhados aos serviços secretos estadunidenses em Fort Detrick, Maryland. Com a escalada da Guerra Fria, a Agência Central de Inteligência (CIA) deu continuidade a esses estudos, visando criar novas técnicas de enfrentamento aos países socialistas baseadas em controle mental.
A CIA pretendia criar novas drogas de manipulação mental que permitissem desenvolver um "soro da verdade", aumentando a confiabilidade das informações coletadas durante os interrogatórios ou sessões de tortura impostas aos prisioneiros capturados. Também objetivava criar estimulantes para aumentar a resistência e lealdade dos soldados estadunidenses, transformando-os em "robôs humanos". Outros objetivos incluíam fabricar substâncias que obrigassem pessoas a realizar ações contra a sua vontade e desenvolver drogas que permitissem apagar a memória, induzir amnésia, esquizofrenia ou outras doenças mentais — drogas que poderiam ser usadas como armas contra líderes políticos de países socialistas.
Após autorização de Allen Dulles, o psiquiatra militar Sidney Gottlieb foi incumbido de chefiar o projeto secreto. Os recursos financeiros para manter o programa eram camuflados como financiamento de pesquisas médicas. Boa parte da verba do Projeto MK Ultra teve como origem a Fundação Rockefeller. A maior parte dos recursos foi gasta no desenvolvimento de substâncias incapacitantes e materiais biológicos, químicos e radioativos utilizados para produzir mudanças comportamentais ou fisiológicas nos indivíduos. A imensa maioria das vítimas foram forçadas a participar das experiências.
As cobaias humanas eram geralmente portadores de problemas mentais, prisioneiros, prostitutas, dependentes químicos e outras pessoas consideras "descartáveis" ou incapazes de revidar - incluindo crianças de origem humilde. Em alguns casos, os indivíduos eram submetidos aos procedimentos após procurarem hospitais ou clínicas médicas para tratar alguma enfermidade. É o que ocorreu com vários estudantes que procuraram a Clínica Psicológica de Harvard e acabaram sendo utilizados como cobaias. Durante a Operação Midnight Climax, a CIA montou falsos bordéis em São Francisco para atrair cobaias que eram então submetidas aos experimentos. O governo dos Estados Unidos também criou centros de detenção secretos nos territórios sob seu controle durante o pós-Guerra (tais como Japão, Filipinas e Alemanha) para realizar torturas e experiências humanas em indivíduos considerados "dispensáveis".
Em geral, as experiências conduzidas pelo Projeto MK Ultra envolviam a necessidade de solapar a resistência física e psicológica das cobaias, drogando-as com medicamentos psicoativos e submetendo-as a abusos físicos e psicológicos extremos. A droga mais utilizada durante os experimentos era o LSD, mas também recorria-se a barbitúricos, anfetaminas, heroína, morfina, mescalina, temazepam, psilocibina e escopolamina, entre outras. As torturas físicas incluíam choques elétricos, privação do sono, privação de água e comida, exposição a temperaturas extremas, afogamento, compressão com pesos, indução de paralisia, incapacitação, isolamento cognitivo, submissão ao trabalho escravo, abusos sexuais, etc. Durante os procedimentos, as cobaias eram agressivamente interrogadas sobre banalidades ou fatos de suas vidas. Sessões de hipnose também eram comuns.
Em 1973, em meio ao pânico gerado pela eclosão do Caso Watergate, que culminaria na renúncia do presidente Richard Nixon, o diretor da CIA, Richard Helms, ordenou que todos os arquivos relativos ao Projeto MK Ultra fossem destruídos, de modo a evitar que os servidores da agência fossem eventualmente punidos pelas operações ilegais. Com isso, a imensa maioria das informações sobre a operação, sua real extensão e a quantidade exata de vítimas se perdeu. O que se sabe hoje sobre o Projeto MK Ultra deriva de algumas páginas de um único arquivo com 20.000 documentos que sobreviveu ao expurgo ordenado por Helms. Em 1975, o Congresso dos Estados Unidos estabeleceu uma comissão de inquérito para apurar as atividades da CIA, tomando conhecimento sobre o projeto secreto. Vítimas dos experimentos foram chamados a depor publicamente sobre as experiências conduzidas pelo Projeto MK Ultra, chocando a opinião pública estadunidense, que exigiu o encerramento das pesquisas com seres humanos conduzidas pela agência. Não obstante, Victor Marchetti, vice-diretor da CIA, declarou alguns anos depois que a agência seguiu conduzindo secretamente o projeto.
O relatório final produzido pelo Congresso estadunidense em 1977, os documentos revelados pela Lei de Liberdade de Informação e os registros oficiais da CIA que perderam o status de confidencialidade em 2018 são as principais fontes primárias disponíveis sobre o Projeto MK Ultra. A maioria dos relatórios que sobreviveram ao expurgo de 1973 permanecem confidenciais. Os documentos abertos ao público registram vítimas que ficaram com sequelas físicas graves e traumas severos, além de inúmeros abusos de direitos civis e dos princípios éticos estabelecidos pelo Código de Nuremberg. Algumas das técnicas de tortura desenvolvidas pela MK Ultra foram compiladas nos Manuais KUBARK, utilizados pela Escola das Américas - instituição estadunidense que compartilhava técnicas de tortura com os ditadores latino-americanos durante a Guerra Fria. Outras técnicas continuam em uso até hoje nas prisões de Guantánamo e Abu Ghraib.
Há um caso comprovado de um jovem com problemas mentais do Kentucky que foi submetido a abusos físicos combinados com administração diária de doses altas de LSD por 174 dias seguidos. Ellen Atkin, filha de uma paciente psiquiátrica, também alega ter sofrido abusos sexuais e torturas físicas pela CIA quando ainda era uma criança. Entre as vítimas fatais do projeto, está o bacteriologista Frank Olson, que recebeu doses de LSD e teria se suicidado pulando de uma janela em novembro de 1953. A família de Olson contesta até hoje o relato oficial, afirmando que o cientista foi assassinado por ameaçar divulgar informações sensíveis para a imprensa.
Outras vítimas do Projeto MK Ultra tornaram-se famosas por envolvimentos em crimes. Theodore Kaczynski, conhecido como Unabomber, participou de um "experimento psicológico propositalmente traumatizante" conduzido pelo psicólogo de Harvard Henry Murray. Posteriormente, tornou-se um terrorista doméstico, responsável por conduzir uma série de atentados a bomba nos Estados Unidos entre 1978 e 1995. James J. Bulger foi submetido ao experimento enquanto cumpria pena por roubo. Depois de ser libertado, cometeu 19 assassinatos. Sirhan Sirhan, responsável por assassinar o senador Robert F. Kennedy em 1968, também foi apontado como um egresso do Projeto MK Ultra por seu advogado, Lawrence Teeter.
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