O Sistema Semashko - o "SUS soviético":
Até o início do século XX, a Rússia não possuía nenhum serviço público de assistência à saúde. Todas as clínicas e hospitais do país eram privados e apenas as classes mais abastadas contavam com serviços médicos pagos. A imensa maioria dos trabalhadores não tinha acesso à assistência médica, excetuando-se alguns poucos centros médicos beneficentes ligados às instituições religiosas nas grandes cidades. No campo, não havia qualquer tipo de provisão médica. Como resultado, o país tinha alguns dos piores indicadores sanitários da Europa, com altas taxas de mortalidade. Aproximadamente 10% de todos os jovens recrutados para as forças armadas na primeira década do século XX sofriam de tuberculose e as epidemias de cólera, febre tifoide e varíola eram acontecimentos corriqueiros no país.
Com o triunfo da Revolução de Outubro de 1917 e a subsequente instalação do governo socialista soviético, iniciou-se a criação de um sistema centralizado de assistência médica. Ainda em 1917, o governo revolucionário emitiu decreto obrigando os empregadores a cobrirem os custos com assistência médica e licença maternidade dos funcionários. Alguns meses depois, os bolcheviques aprovaram a criação de uma abrangente legislação sanitária que previa a obrigatoriedade do abastecimento de água potável, expansão das redes de esgoto e a criação de padrões adequados de salubridade para comércio, indústria, equipamentos públicos e residências. A partir de 1920, criou-se uma abrangente rede de sanatórios - tipo pioneiro de resort de saúde, que combinava atividades recreativas de balneário com terapias médicas para a classe trabalhadora. A maioria das farmácias e indústrias farmacêuticas foram nacionalizadas ainda em 1917. Para reduzir a dependência de medicamentos importados, o governo soviético instalou vários institutos especializados. Em 1928, o país já produzia 88% de todos os medicamentos que consumia.
Em 1918, foi criado o Comissariado de Saúde Pública, que passou a ser dirigido por Nikolai Semashko, membro da Academia de Ciências Médicas. Nikolai ficaria à frente do comissariado até 1930, sendo o responsável por organizar o primeiro sistema universal de assistência à saúde do mundo - batizado "Sistema Semashko" em homenagem ao criador. Nas décadas seguintes, o Sistema Semashko se consolidaria como a maior rede de assistência médica gratuita do mundo e passaria a oferecer um dos mais eficientes serviços médicos do planeta, tornando-se uma referência mundial e inspiração para a criação de sistemas análogos em outros países - incluindo nações capitalistas como o Reino Unido, que se inspirou no congênere soviético para fundar seu Serviço Nacional de Saúde. Com investimentos massivos, o sistema conseguiu universalizar e unificar a oferta de serviços médicos, cobrindo todas as regiões do vasto território russo, de Moscou e Leningrado até as aldeias mais remotas da Sibéria.
A base do Sistema Semashko consistia em uma gigantesca rede de centros médicos de bairro, responsáveis pela atenção básica e pelo acompanhamento das comunidades. Existiam também as policlínicas de bairro e as estações de primeiros socorros, além dos hospitais distritais e municipais. Casos mais graves eram encaminhados para instituições médicas especializadas. Havia ainda uma rede hospitalar departamental com cuidados médicos específicos para cada grupo de trabalhadores - policiais, ferroviários, aduaneiros, mineiros, etc. O sistema tinha grande foco nos métodos preventivos e na medicina diagnóstica, com o acompanhamento constante dos pacientes. A vacinação era obrigatória para todos - crianças e adultos. Pessoas que não se vacinavam sofriam medidas restritivas, como, por exemplo, a proibição de atuar no serviço público. Os soviéticos também tinham a obrigação de realizar check-ups anuais. Existia ainda uma rede de dispensários (estabelecimentos beneficentes) que atuavam de forma complementar ao Sistema Semashko, oferecendo acompanhamento para problemas como o alcoolismo.
O direito à assistência médica gratuita foi referendado como um direito básico do povo soviético pela Constituição de 1936, junto com o direito à educação e o direito ao trabalho, entre outros. A demanda gerada pela ampliação da rede médica foi respondida com a multiplicação dos cursos de medicina. O número de estudantes de medicina saltou de 19 mil em 1913 para 76 mil em 1932. Entre 1928 e 1932, foram inaugurados 2.000 novos hospitais, além de dezenas de institutos bacteriológicos e centros de produção de soros e vacinas. Até meados do século XX, os investimentos públicos em saúde triplicavam a cada década. Como resultado, a União Soviética conseguiu criar uma das populações mais saudáveis do mundo. Nos anos sessenta, a expectativa de vida - que era de apenas 35 anos no Censo de 1913 - havia dobrado e atingido o mesmo patamar dos Estados Unidos e das nações da Europa Ocidental. A oferta de médicos e leitos hospitalares da União Soviética era a maior do mundo - quatro vezes superior aos índices existentes nos Estados Unidos. As taxas de mortalidade infantil foram reduzidas bruscamente e as epidemias foram totalmente controladas. Em meados dos anos cinquenta, a União Soviética tornou-se o primeiro país do mundo a debelar a epidemia de poliomielite, após financiar a produção em larga escala do imunizante desenvolvido por Albert Sabin.
O envelhecimento da população e as mudanças nos padrões demográficos, com aumento substancial da população urbana, causaram gargalos na rede assistencial a partir da década de setenta, mas, malgrado problemas pontuais, o sistema seguiu funcionando bem até meados dos anos oitenta. As reformas de Mikhail Gorbachev, entretanto, retiraram o caráter universal do sistema, que passou a cobrar por alguns procedimentos específicos. Após a dissolução da União Soviética, parte substancial do Sistema Semashko foi abolido, abandonado ou privatizado. A Rússia adotou um novo modelo misto de assistência médica, mantido por financiamento privado e subvenção pública. O serviço permanece gratuito, mas tem uma abrangência muito mais restrita e ineficaz em relação ao sistema anterior, o que força parte da população a pagar por serviços médicos privados. Um relatório publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2016 apontou que a saúde da população russa piorou em todos os indicadores em comparação com a era soviética. A expectativa de vida dos russos também decaiu acentuadamente nos anos noventa - algo que não ocorria desde a Segunda Guerra Mundial.
Médicos acompanham pacientes internados.
"Evite espalhar a gripe!". Cartaz recomendando à população para não ir trabalhar e procurar um médico em caso de sintomas de gripe.
"Doar sangue é uma grande honra para um patriota". Trabalhadores eram incentivados a doar sangue com a concessão de uma folga extra no serviço.
Hospital abandonado de Moscou.
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