Picasso, Stalin e o Partido Comunista Francês


O pintor espanhol Pablo Picasso observa um cartaz com a imagem de Josef Stalin. Ao lado, seu controverso retrato do líder soviético realizado em 1953.

Expoente máximo das vanguardas artísticas do século XX, Pablo Picasso manifestou desde o início de sua trajetória profissional um olhar sensível para os problemas sociais e para os excluídos. Sua chamada "fase azul" evocava o simbolismo da miséria e o cotidiano dos marginalizados - pobres, prostitutas, moradores de rua, o abandono, a solidão e o sofrimento. Picasso também foi fortemente influenciado pelas ideias de Pierre Manach, um anarquista espanhol que o acolheu em sua casa em Paris. As fases posteriores, marcadas por novos desenvolvimentos plásticos e concepções estéticas ousadas, manteriam eventuais referências ao cotidiano da classe operária, mas foi a Guerra Civil Espanhola que levou o mestre andaluz a uma crescente politização.

A Guerra Civil Espanhola forneceu a Picasso o ímpeto para produzir seu primeiro trabalho abertamente político - "O Sonho e a Mentira de Franco", uma série de 18 gravuras criticando o fascismo e ridicularizando o discurso conservador e moralista de Francisco Franco, chefe das tropas nacionalistas. As gravuras não tinham apenas um fim artístico ou propagandístico. Eram impressas como cartões-postais e comercializadas para arrecadar fundos para as tropas republicanas - compostas por anarquistas, socialistas e comunistas agrupados na resistência contra Franco. Em 1937, Picasso pintou "Guernica", uma de suas obras mais conhecidas, denunciando os horrores do bombardeio da cidade homônima do País Basco pelas forças aéreas da Alemanha nazista e da Itália fascista, aliadas de Franco. A obra se tornaria um símbolo antimilitarista mundial, definida por Frederick Hartt como "um memorial de todos os crimes perpetrados contra a humanidade no século XX".

No início da Segunda Guerra Mundial, Picasso solicitou a cidadania francesa, mas o governo da França rejeitou o pedido, por considerá-lo imbuído de "ideias extremistas evoluindo para o comunismo". Malgrado a recusa, o pintor permaneceu em Paris mesmo durante a ocupação da cidade pelas tropas nazistas, sendo proibido de pintar ou expor suas obras pelas autoridades alemãs. Em 1944, logo após a expulsão dos nazistas, Picasso filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF), afirmando enxergar no comunismo "um ideal de paz, a chave para um mundo livre do fascismo". No ano seguinte, Picasso pintou a obra "O Ossuário", em referência às ações genocidas perpetradas pelos nazistas nos campos de extermínio.

No período do pós-guerra, Picasso se dedicou à causa antimilitarista. Em 1948, o artista tomou parte no Congresso Mundial dos Intelectuais em Defesa da Paz, sediado em Breslávia, na Polônia, uma conferência global que buscava combater o inflamado discurso anticomunista dos países ocidentais e denunciar o capitalismo como o maior fator de desestabilização da paz mundial. Em 1949, criou a litografia "La Colombe", retratando uma pomba branca simbolizando a paz, que ilustraria os cartazes do Conselho Mundial da Paz e se tornaria uma referência iconográfica do período. Em 1950, Picasso foi condecorado com o Prêmio Stalin da Paz, outorgado pelo governo da União Soviética. Em 1951, pintou "Massacre na Coreia", denunciando o imperialismo estadunidense e os ataques contra a população civil durante a Guerra da Coreia.

A recusa de Picasso em subscrever as críticas dos marxistas ocidentais a Josef Stalin lhe rendeu vários contratempos com classe artística europeia - nomeadamente o fim de sua antiga amizade com intelectual trotskista André Breton, que recusou-se publicamente a lhe estender a mão. Em março de 1953, poucos dias após a morte de Stalin, Picasso foi convidado pela revista literária "Les Lettres Françaises" para executar um retrato do líder soviético. Picasso fez um desenho a carvão com traços característicos de seu estilo, publicado pela revista alguns dias depois. O artista afirmou ter usado como base uma fotografia de Stalin de 1903, pois queria retratá-lo ainda jovem. O retrato, entretanto, causaria grande controvérsia.

Alguns líderes comunistas franceses, mais acostumados à estética do realismo soviético, consideraram a representação indigna. O Partido Comunista Francês divulgou nota chamando a obra de uma "caricatura insultante e vulgar do grande guia dos povos" e condenou veementemente sua publicação. Alguns dias depois, o jornal "L’Humanité", órgão oficial do partido, voltou a criticar a obra: "Sem questionar a integridade do grande artista, cujo compromisso com a causa da classe operária é conhecido por todos, o secretário do Partido Comunista Francês lamenta que o camarada Aragon (...) tenha permitido sua publicação."

As críticas do Partido Comunista Francês desapontaram profundamente o artista. Picasso permaneceria filiado ao PCF até o fim da sua vida, mas foi gradualmente se afastando da cúpula do partido e das atividades coordenadas pela legenda. Continuou, entretanto, utilizando sua arte como um meio de expressão política, criticando constantemente o intervencionismo dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Em 1962, em meio à Crise dos Mísseis, pintou "O Rapto das Sabinas", representando a ameaça de uma eventual intervenção estadunidense em Cuba. Em 1962, voltou a ser condecorado pela União Soviética, recebendo o agora denominado Prêmio Lenin da Paz. E nos anos setenta, a pedido do presidente chileno Salvador Allende, contribuiu com doação de obras de arte e de recursos financeiros para a montagem do Museu da Solidariedade em Santiago.

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