Ricardo Salles e o desmonte do Ministério do Meio Ambiente

Ricardo Salles, então Ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, sorri em frente a uma carga de madeira derrubada ilegalmente. Santarém, Pará, março de 2021. Condenado por fraude ambiental e respondendo a vários outros processos, Salles é acusado por ambientalistas de promover um desmonte sem precedentes da estrutura governamental de proteção ao meio ambiente. O ex-ministro também tornou-se alvo de queixa-crime aberta pela Polícia Federal em abril de 2021, sob a alegação de compor uma organização criminosa e de obstruir a ação dos fiscais.

Formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salles atuou por vários anos como diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira (SBR) - maior associação patronal do agronegócio no país. Também foi diretor do Instituto Brasileiro de Concorrência, Comércio Internacional e Relações de Consumo (IBRAC). Em 2006, Salles ingressou no programa de formação de líderes do Leadership Institute - um think tank estadunidense sediado em Arlington, Virgínia, voltado ao recrutamento, formação e inserção de lideranças conservadoras na política, no governo e na mídia. No mesmo ano, Salles fundou o Movimento Endireita Brasil (MEB), organização dedicada à difusão do ideário da chamada "nova direita", incluindo tópicos como conservadorismo moral, liberalismo econômico e defesa do Estado mínimo. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que defendia a necessidade enxugamento do Estado, Salles tentou ingressar na vida pública, candidatando-se a deputado federal pelo PFL (atual DEM) nas eleições de 2006, sem sucesso.

À frente do Movimento Endireita Brasil, Salles iniciou a articulação com outros think tanks conservadores e liberais. Aliou-se ao Instituto Mises Brasil para lançar a iniciativa "Dia da Liberdade dos Impostos" e tornou-se mantenedor e parceiro do Instituto Millenium. Em 2010, candidatou-se a deputado estadual pelo DEM, apoiando-se no antipetismo e na defesa de bandeiras reacionárias como a defesa da ditadura militar e da adoção da pena de morte e oposição ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sem conseguir se eleger, Salles trocou de partido, filiando-se ao PSDB em 2012. No ano seguinte, foi nomeado secretário particular do governador paulista Geraldo Alckmin. Em 2016, Alckmin indicou Salles para chefiar a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Como Secretário do Meio Ambiente, Salles promoveu um grave desmonte dos órgãos de fiscalização e afrouxou a legislação ambiental paulista, atendendo aos interesses do agronegócio e do setor imobiliário. À frente da secretaria, Salles privatizou 25 parques estaduais e facilitou a exploração econômica predatória nas reservas ecológicas de São Paulo. Sua gestão também foi marcada por inúmeras acusações de irregularidades e corrupção. Em 2017, Salles foi acusado de fraude ambiental após alterar os dados de um mapa relacionado ao Plano de Manejo da Várzea do Rio Tietê, com o objetivo de beneficiar mineradoras ligadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Foi condenado por improbidade administrativa em dezembro do ano seguinte, mas a condenação foi revertida na segunda instância em março de 2021.

Também em 2017, Salles foi novamente acusado de improbidade administrativa pelo Ministério Público Estadual por supostamente beneficiar um amigo no processo de aquisição de um prédio do Instituto Geológico. Em 2018, foi investigado por supostas atividades criminosas praticadas na Junta Comercial de São Paulo em benefício da empresa BNE Administração de Imóveis. Em outra ação do Ministério Público, tornou-se alvo de investigação por tráfico de influência, ao usar seu cargo para pressionar policiais, delegados e juízes para direcionar inquéritos e processos e proteger réus em ao menos 14 casos distintos. Por fim, Salles foi investigado por enriquecimento ilícito, após as autoridades detectarem um aumento de 355% em seu patrimônio pessoal (que saltou de 1,4 milhão para 8,8 milhões de reais em cinco anos). A suspeita era de que o enriquecimento de Salles estaria vinculado a fraudes no plano de manejo das áreas de proteção ambiental de São Paulo.

Em 2018, foi novamente candidato a deputado federal pelo Partido NOVO, reverberando o discurso bolsonarista e utilizando as redes sociais para divulgar mensagens incitando a violência e o uso de munição para combater a esquerda e movimentos sociais como o MST. Salles novamente não conseguiu se eleger, mas foi indicado para o cargo de Ministro do Meio Ambiente pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Ambientalistas e ONGs ligadas à defesa do meio ambiente imediatamente condenaram a indicação, citando o histórico de Salles na Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo e suas ligações com o agronegócio. Não obstante, a indicação de Salles recebeu forte apoio da FIESP, da Sociedade Rural Brasileira e de outras entidades patronais do setor produtivo.

Durante sua gestão, Salles promoveu o desmonte acelerado do Ministério do Meio Ambiente. O ministro extinguiu ou sucateou vários órgãos e conselhos reguladores e fiscalizadores e reduziu as atribuições da pasta, causando o maior retrocesso das políticas ambientais do governo federal em décadas. Salles desvinculou o Brasil dos compromissos internacionais de metas climáticas, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas, paralisou os processos de demarcação de terras indígenas e unidades de conservação e passou a incentivar a abertura de reservas indígenas para a mineração, agricultura e atividades econômicas. Também afrouxou os critérios de conservação e reduziu enormemente a aplicação de multas ambientais. Salles indicou para a presidência do Ibama Eduardo Fortunato Bim, infame por sua defesa do agronegócio e exaltada oposição às regras de regulação ambiental. Outras ações controversas incluem o sucateamento do ICMBio, os ataques à memória de Chico Mendes e a associação das críticas de ambientalistas a uma suposta "agenda política de esquerdopatas".

Os ataques sistemáticos de Salles às políticas ambientais causaram graves danos aos biomas e comunidades indígenas. O desmatamento na Amazônia cresceu 30% em apenas um ano, com a devastação de mais de 11 mil km² de área de floresta. O Pantanal, por sua vez, viveu a maior tragédia ambiental de sua história, com a destruição de 40% de seu bioma graças ao desmatamento recorde e a grande incidência de queimadas - propositalmente negligenciadas pelo governo federal, em prol dos interesses dos latifundiários do Centro-Oeste. As invasões de terras indígenas tiveram um aumento de 135% no primeiro ano da gestão Salles e a violência contra os povos nativos cresceu 150% em 2020. Durante uma reunião do ministeriado, Salles chegou a sugerir que o governo federal aproveitasse a distração gerada pela pandemia do covid-19 para "passar a boiada", em referência à desregulamentação do que sobrou do regramento ambiental. Durante a gestão da pasta, Salles foi alvo de três pedidos de afastamento por improbidade administrativa e por ações lesivas ao meio ambiente, mas permaneceu no cargo até 23 de junho de 2021,quando pediu exoneração.

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