Zé de Abreu e o 30º Congresso da UNE

O ator Zé de Abreu, preso pela ditadura militar em 1968, enquanto participava do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Abreu foi membro da Ação Popular, organização da esquerda extraparlamentar ligada à Juventude Universitária Católica, que lutava contra a ditadura. Segue-se o seu relato:

"Éramos mais de 700 estudantes, presos no Congresso da UNE em Ibiúna. Nosso crime: fazer o congresso. Depois de passarmos quase um mês presos no antigo Presídio Tiradentes, os não paulistas foram mandados para seus estados de origem e nós ficamos. Uma madrugada, vieram os milicos.

Nos acordaram violentamente, nos colocaram em fila indiana com as mãos na cabeça e levando pontadas de cassetetes nos rins fomos andando até o pátio. Lá, sob ameaças de morte, fomos colocados num ônibus de transporte de presos. Quando perguntávamos para onde estávamos indo riam e diziam que não tinha importância porque não voltaríamos com vida. E de quebra, uma cacetada em algum lugar bem dolorido.

No ônibus, todo fechado, apenas com alguns furos na lataria para entrar ar, ficamos nos perguntando para onde nos levariam. Foi mais ou menos uma hora de uma apavorante viagem quando o ônibus parou. Saímos e vimos estarmos num pátio de presídio. Não foi difícil descobrir que era o Carandiru.

Na fila indiana fomos levados sob porrada para o banho, não sem antes deixarmos todas as roupas e demais pertences e receber um uniforme de presidiário. Uma camisa e uma calça de brim azul claro, um par de alpargatas roda, uma japona de lã azul marinho. E um pedaço de barbante como cinto. Fomos considerados presidiários sem julgamento, sem processo, sem nada. Estudantes criminalizados por se reunir.

Fiquei mais dois meses preso até que um dia fui – com mais alguns colegas – levado ao temido DOPS, onde havia um famoso centro de tortura liderado pelo sanguinário Delegado Fleury. Lá nos colocaram em fila indiana e um milico olhava pra cara de um e dizia “você fica”. Olhava pra outro e dizia “você vai.” Assim, pelo gosto pessoal dele. Quando chegou a minha vez ele me deu um tapão na cabeça, me chamou de cabeludo veado e disse “você vai”. Foi assim que deixei de ser preso político. Mas o processo foi aberto na Lei de Segurança Nacional. Nunca foi julgado."

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