A experiência socialista do Laos
Combatentes do Pathet Lao — o movimento revolucionário comunista do Laos — participam de um treinamento com morteiros em 1959.
Fundado em meados do século XIV, o reino do Laos (então denominado Lan Xang) existiu como Estado independente e unificado do povo laosiano até meados do século XVIII, quando se fragmentou em três reinos distintos — Champassak, Luang Prabang e Vientiane. No fim do século XVIII, os reinos laosianos foram dominados pelos monarcas do Sião (atual Tailândia), que ocuparam o território por mais de um século. A região passou a ser cobiçada pela França no fim do século XIX. Após anexarem o Camboja e a Cochinchina aos seus domínios coloniais, os franceses subjugaram militarmente o Sião e se apossaram dos reinos laosianos, transformando-os em protetorados e integrando-os à chamada Indochina Francesa. A realeza de Luang Prabang submeteu-se à França em troca da manutenção de sua autonomia nominal e a administração colonial foi instalada na cidade de Vientiane.
Durante as primeiras décadas do século XX, os franceses exploraram atividades agrícolas no Laos, sobretudo o cultivo de arroz e café, mantendo um sistema de trabalho de corveia não remunerado, análogo à escravidão. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a derrota da França para a Alemanha nazista em 1940, o domínio colonial sobre o Laos e toda Indochina foi posto em xeque. Aliados dos alemães, os japoneses ocuparam a maior parte da Indochina, enquanto a Tailândia se apoderou das províncias do Vale do Mekong e da faixa territorial fronteiriça com o Laos. Em 1941, o revolucionário vietnamita Ho Chi Minh, líder do Partido Comunista da Indochina, retornou ao Vietnã para instituir um movimento de libertação nacional, fundando a Liga para a Independência do Vietnã, ou Viet Minh, que contou com o apoio de comunistas e nacionalistas laosianos.
Após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e a expulsão das tropas japonesas da Indochina, a França tentou restabelecer seu domínio sobre a região, cooptando e dividindo a realeza de Luang Prabang. O rei Sisavang Vong era favorável ao retorno da vassalagem do Laos à França, mas os príncipes Phetsarath, Suvana Phuma e Souphanouvong queriam a independência. Prevaleceu a vontade do rei, que concordou em dividir suas atribuições com um governador indicado pela França, em troca de autonomia limitada no âmbito da União Francesa. As lideranças autonomistas reagiram, avançando projetos independentistas de naturezas distintas. Os príncipes Phetsarath e Suvana Phuma, nacionalistas moderados e simpatizantes do Ocidente, uniram-se no movimento autonomista Lao Issara ("Laos Livre"). Já Souphanouvong, comunista e fervoroso defensor de Ho Chi Minh, defendeu um modelo de organização socialista e fundou a o movimento revolucionário Pathet Lao ("Nação do Laos"). Inspirado no Viet Minh, o Pathet Lao era muito próximo dos comunistas vietnamitas, que se envolveram diretamente na sua organização, treinamento e armamento. Durante a Guerra da Indochina, o Pathet Lao uniu-se ao Viet Minh para combater as tropas francesas.
Após a vitória histórica do Viet Minh sobre a França na Batalha de Dien Bien Phu, a Conferência de Genebra referendou a autonomia dos países da antiga Indochina Francesa. Assim, Laos, Vietnã e Camboja tornaram-se nações independentes. Receoso com a a proliferação dos movimentos socialistas no Sudeste Asiático, os Estados Unidos se apressaram em dividir o território vietnamita, instalando um governo vassalo no Vietnã do Sul. O Laos, por sua vez, seguia dividido entre os movimentos Lao Issara e Pathet Lao. Assim, por determinação dos acordos de Genebra, as tropas do Viet Minh foram retiradas do país, ao passo que a presença do Pathet Lao ficou restrita às províncias de Phong Saly e Sam Neua, que se manteriam autônomas em relação ao governo central laosiano. O Pathet Lao criou uma frente patriótica (Neo Lao Hak Sat) e conseguiu formar um governo de coalizão sob a liderança do primeiro-ministro Suvana Phuma. Com a morte do rei Sisavang Vong em 1959, seu filho, Sisavang Vatthana, ascendeu ao trono, comprometendo-se a dar continuidade ao processo de pacificação do Laos. Não obstante, o general Phoumi Nosavan, líder da extrema direita, articulou um golpe de Estado no mesmo ano, dando início à Guerra Civil do Laos.
Souvanna Phouma foi restituído ao cargo de primeiro-ministro graças ao contragolpe conduzido pelo capitão Kong Le. O primeiro-ministro tentou adotar uma política de neutralidade em relação à Guerra do Vietnã — travada desde 1955 e convulsionada pela disputa geopolítica entre estadunidenses e soviéticos. A União Soviética saudou a decisão, mas Estados Unidos e Tailândia se opuseram, pressionando o governo do Laos a apoiá-los no conflito. Subserviente à pressão estadunidense, o príncipe Boun Oum conseguiu formar um novo governo de extrema direita, mas foi neutralizado por Souvana Phouma, que se aliou ao comunista Souphanouvong para estabelecer uma frente de união nacional. Os golpes perpetrados por Siho Lamphouthacoul e Phoumi Nosavan em 1964, entretanto, puseram fim à coalizão governista, provocando uma cisão irreversível entre Souphanouvong (que passou a apoiar abertamente a revolução socialista e o Vietnã do Norte) e Souvana Phouma (que aliou-se às forças anticomunistas). Findada a tentativa de neutralismo, o Laos se envolveu de forma permanente e errática na Guerra do Vietnã, passando a sofrer campanhas implacáveis de bombardeio conduzidas pelos Estados Unidos.
O Laos teve importância fundamental para a resistência vietnamita na guerra contra os Estados Unidos, ao permitir que o Exército do Vietnã do Norte movimentasse combatentes e suprimentos pelo seu território ao longo da chamada "Trilha Ho Chi Minh". Enfurecido, o governo dos Estados Unidos chegou a considerar o envio de 60 mil soldados para ocupar o Laos e reforçar o apoio ao Vietnã do Sul. Visando debelar o auxílio do Pathet Lao aos vietnamistas, a CIA gastou 500 milhões de dólares treinando e armando dezenas de milhares de guerrilheiros Hmongs (milícias anticomunistas leais à monarquia laosiana). Entre 1964 e 1973, os Estados Unidos jogaram mais de 2 milhões de toneladas de bombas sobre o Laos — número superior ao total de bombas utilizadas na Segunda Guerra Mundial — transformando o pequeno país do sudeste asiático na nação mais bombardeada da história. O governo estadunidense chegou a aventar o uso de armas nucleares contra o país. A CIA também financiou o cultivo de papoula e o tráfico de narcóticos opiáceos no Laos, visando apoiar financeiramente os Hmongs e outras forças anticomunistas do país.
Com o fim dos combates após a assinatura do armistício de paz entre Estados Unidos e Vietnã do Norte nos Acordos de Paris, as tropas estrangeiras se retiraram do Laos, permitindo a formação de um novo governo de união nacional em abril de 1974. Não obstante, o apoio dos setores anticomunistas aos ataques estadunidenses contra o Laos durante a Guerra do Vietnã causaram forte ressentimento popular em relação à direita e à monarquia. Em meio ao clima de agitação social, com crescentes protestos e manifestações populares, setores anticomunistas começaram a deixar o país, permitindo o domínio progressivo dos revolucionários. Em dezembro de 1975, o Congresso Nacional aboliu a monarquia, pondo fim à guerra civil.
O Pathet Lao assumiu o poder no mesmo ano e adotou a denominação de Partido Revolucionário Popular do Laos (PRPL). A República Popular Democrática do Laos foi proclamada, sob um governo de orientação socialista. Souphanouvong tornou-se presidente do país e Kaysone Phomvihane foi nomeado primeiro-ministro e secretário-geral do PRPL. O governo revolucionário universalizou os serviços de educação e saúde, nacionalizou as terras, implementou programas de coletivização da agricultura e instituiu o monopólio estatal sobre o comércio exterior. Os desafios acumulados ao longo de décadas de conflitos externos e guerras civis, entretanto, eram imensos. O país quase não tinha indústrias e dependia em grande medida das subvenções do Vietnã e da União Soviética. O Laos também manteve por muito tempo relações tumultuadas com os vizinhos. Sob um regime militar de extrema-direita, a Tailândia passou a financiar grupos terroristas responsáveis por cometer atentados contra civis e atacar as fazendas coletivizadas do Laos, visando sabotar a produção agrícola. O equivocado apoio da China aos opositores do PRPL isolou ainda mais o país. Souphanouvong afastou-se do governo por razões médicas em 1986, sendo substituído por Phoumi Vongvichit.
O corte dos subsídios aos governos estrangeiros resultantes das reformas de Mikhail Gorbachev e a dissolução da União Soviética tiveram grande impacto sobre o Laos, forçando o país a recuar de algumas de suas reformas socialistas, retomando parcialmente as relações de mercado para permitir o desenvolvimento das forças produtivas. O Laos tem buscado emular a estratégia de desenvolvimento do Vietnã e da China (com quem reatou as relações diplomáticas em 1988), permitindo a existência de uma burguesia nacional, mas limitando seu poder político e sua capacidade de articulação.
A Constituição promulgada em 1991 reafirmou a continuidade do regime de partido único e a propriedade estatal das terras (que pode ser arrendadas, mas não vendidas). Aproximadamente 37% das terras agrícolas, entretanto, permanecem inutilizáveis, pela presença massiva de munições não detonadas. O país também possui uma rígida legislação trabalhista. Os trabalhadores possuem estabilidade e qualquer demissão precisa ser justificada em um tribunal. Os empregadores são obrigados a direcionar os ex-funcionários a novos postos de trabalho e o trabalhador demitido tem direito a indenização e auxílio financeiro durante o período em que estiver sem ocupação. Há uma política oficial de fortalecimento dos sindicatos e dos órgãos de fiscalização de abusos laborais.
O modelo de desenvolvimento combinando reformas socialistas e relações de mercado tem funcionado. O setor industrial está crescendo continuamente e já responde por quase um terço do PIB do Laos, ajudando o país a superar gradualmente sua forte dependência do setor primário. A produção e exportação de energia hidrelétrica, o fornecimento de borracha para a indústria automobilística chinesa, a exportação de insumos para a Coreia do Norte e a extração de minerais como estanho também se tornaram importantes fontes de divisas nas últimas duas décadas. Desde 1990, o percentual de laosianos vivendo abaixo da linha da miséria foi reduzido em 50% e todos os indicadores sociais do país têm apresentado melhorias significativas.
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