Manuel Zelaya e o golpe de 2009 em Honduras


Manuel Zelaya, presidente de Honduras, discursa para uma multidão de apoiadores do terraço da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Deposto por um golpe militar em junho de 2009 e posteriormente exilado na Costa Rica, Zelaya retornou a Honduras secretamente em setembro de 2009, buscando refúgio na embaixada do Brasil. O ex-mandatário hondurenho permaneceu por quatro meses na embaixada brasileira, tentando articular a resistência ao golpe de Estado.

Filiado ao Partido Liberal de Honduras, Manuel Zelaya assumiu a presidência em 2006, três meses após derrotar o candidato reacionário Porfirio Lobo Sosa, do Partido Nacional. Embora eleito por um partido de direita e defendendo uma plataforma política de centro-direita, Zelaya obteve o apoio crítico de parte da esquerda hondurenha, por manter um discurso de conciliação e de respeito aos direitos humanos, contrastando fortemente com a defesa da pena de morte e do punitivismo encampada por Sosa. Não obstante, pouco após assumir a presidência, Zelaya iniciou um giro político para a centro-esquerda, adotando uma série de reformas econômicas, políticas e sociais não alinhadas à sua plataforma eleitoral.

Durante a presidência de Zelaya, Honduras aderiu à Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), organização internacional fundada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Zelaya também se aproximou do governo de Cuba, tornando-se amigo de Raúl Castro, e adotou uma retórica vigorosamente crítica ao imperialismo estadunidense. Seu governo introduziu a educação gratuita universal e aumentou o salário mínimo em 80%. Zelaya também passou a fornecer subsídios para pequenos agricultores, reduziu as taxas de juros bancárias, instituiu a distribuição de merenda escolar para 1,6 milhão de crianças, integrou os empregados domésticos ao sistema de previdência social, criou um programa de renda básica para as famílias carentes e isentou as contas de luz dos hondurenhos de baixa renda. Os programas sociais instituídos por Zelaya tiveram impacto positivo na redução da pobreza e lhe granjearam forte apoio entre as classes baixas. Por outro lado, as medidas desagradaram profundamente a elite hondurenha e os liberais e conservadores que compunham sua base de apoio — incluindo os parlamentares do seu próprio partido.

Sem respaldo legislativo e sob forte ataque da imprensa, o governo Zelaya passou a sofrer críticas da Casa Branca e de organizações estadunidenses do terceiro setor, que acusavam seu governo de perseguir jornalistas e de adotar posturas autoritárias. Zelaya tornou-se igualmente alvo de tentativas de criminalização no judiciário de Honduras, sendo acusado de atos de corrupção e irregularidades financeiras na gestão da empresa estatal de telecomunicações Hondutel. A tensão política chegou ao ápice após novembro de 2008, quando Zelaya, atendendo aos pedidos de movimentos sociais, iniciou a organização de um referendo para que povo hondurenho decidisse pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Os opositores de Zelaya afirmaram que o mandatário pretendia promulgar uma nova Constituição para prolongar sua permanência do governo e instituir um "regime socialista" aos moldes do governo de Hugo Chávez. O referendo foi rejeitado pelo congresso e rotulado como ilegal pela Suprema Corte, que ordenou a suspensão da organização. Zelaya, entretanto, se negou a interromper a organização da consulta, precipitando a articulação golpista de seus adversários.

A Suprema Corte de Honduras emitiu um mandado secreto ordenando a prisão de Zelaya em 26 de junho de 2009. Dois dias depois, em 28 de junho, militares hondurenhos invadiram a casa do presidente e o detiveram em uma base da Força Aérea. Zelaya foi colocado em um avião militar e enviado para o exílio na Costa Rica, enquanto o alto comando das Forças Armadas apresentava uma carta de renúncia forjada, atribuída ao mandatário. A eletricidade e as telecomunicações foram cortadas durante a ação e os soldados ocuparam as áreas estratégicas da capital, Tegucigalpa. Os embaixadores de Cuba, Venezuela e Nicarágua também foram sequestrados pelos militares e forçados a deixar o país. Os parlamentares hondurenhos declararam formalmente a vacância da presidência e nomearam o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, como chefe de governo interino. Micheletti decretou estado de sítio em Honduras, suspendendo as garantias constitucionais e os direitos civis.

Protestos contra a destituição de Zelaya eclodiram imediatamente por todo o país. Em Tegucigalpa, dezenas de milhares de manifestantes se concentraram em frente aos edifícios governamentais e às instalações militares. O exército e a polícia hondurenha reprimiram brutalmente os protestos, matando vários manifestantes (incluindo uma criança de 10 anos) e prendendo milhares de pessoas. Para conter a agitação popular, o governo interino cortou a internet e a telefonia. Micheletti também ordenou a suspensão do sinal de redes internacionais como a Telesur e CNN e retirou uma rede estatal de televisão do ar. No interior do país, os militares invadiram e fecharam emissoras de rádio e TV.

O golpe de Estado foi rechaçado por todas as nações latino-americanas. Dez países do continente retiraram seus embaixadores de Tegucigalpa. A Venezuela interrompeu o envio de petróleo para Honduras e os governos de El Salvador, Guatemala e Nicarágua suspenderam o comércio com o país. Organizações internacionais como ONU, OEA, Mercosul, UNASUL, ALBA e União Europeia também condenaram o golpe de Estado. Nenhum governo reconheceu a legitimidade do governo de Micheletti. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, adotou uma postura dúbia, condenando formalmente o golpe, mas buscando atenuar as medidas de isolamento e pressão da comunidade internacional sobre o regime golpista. Documentos confidenciais do governo estadunidense publicados pela organização WikiLeaks em 2010 revelaram que o Departamento de Estado, então conduzido por Hillary Clinton, atuou nos bastidores para dificultar a restituição de Zelaya ao poder, encobrindo ilegalidades de Micheletti e pressionando os governos vizinhos a normalizarem as relações comerciais com o governo golpista de Honduras.

Em agosto de 2009, Zelaya veio ao Brasil, onde se reuniu com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, além de discursar contra o golpe de Honduras na tribuna da Câmara dos Deputados. No mês seguinte, em 21 de setembro de 2009, Zelaya retornou a Honduras escondido e refugiou-se na embaixada do Brasil no país. Uma gigantesco grupo de apoiadores de Zelaya se concentrou em frente à embaixada brasileira ao tomar conhecimento sobre o retorno do presidente deposto. Os militares reagiram violentamente, disparando balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral para dispersar a multidão. A imprensa brasileira acusou Lula de ter arquitetado o retorno de Zelaya a Honduras, mas o governo brasileiro afirmou que não teve envolvimento na iniciativa. Micheletti deu um ultimato ao governo brasileiro, exigindo que Zelaya fosse entregue às autoridades hondurenhas em um prazo de dez dias. Lula respondeu que ignoraria a advertência, justificando não reconhecer a legitimidade do governo de Micheletti e afirmando que "o governo brasileiro não acata ultimato de golpista".

Vencido o prazo do ultimato, o governo interino de Honduras cortou o telefone, a eletricidade e o abastecimento de água da embaixada brasileira e ameaçou invadir o prédio. Diante de manifestações mais enérgicas de Lula, Chávez e demais líderes sul-americanos, Micheletti recuou dos ataques e assegurou que respeitaria a inviolabilidade da embaixada brasileira. De dentro da embaixada, Zelaya seguiu por quatro meses tentando coordenar a resistência ao golpe de Estado, incluindo a articulação de uma greve geral. O edifício tornou-se palco de outras manifestações, mas a brutalidade da repressão do governo de Micheletti desarticulou a mobilização popular. O conservador Porfirio Lobo Sosa venceu o pleito de novembro de 2009, acusado de fraude pelo Mercosul e pela UNASUL.

Zelaya deixou a embaixada brasileira em 27 de janeiro de 2010, após a negociação de um salvo-conduto com o governo de Sosa, que permitiu ao ex-mandatário exilar-se com sua família na República Dominicana. Desde o golpe de 2009, Honduras mergulhou em um processo de militarização e retrocessos sociais. O modelo neoliberal de exploração extrativista foi aprofundado e a tendência de redução da desigualdade social foi revertida. O percentual de hondurenhos vivendo abaixo da linha da pobreza dobrou em apenas três anos. O desemprego saltou de 6,8% em 2008 para 14,1% em 2012 e quase todos os programas sociais criados por Zelaya foram extintos. Honduras também mergulhou em uma onda de violência sem precedentes, com uma impressionante escalada de assassinatos de jornalistas, líderes indígenas, militantes de esquerda e ativistas dos direitos humanos. A taxa de homicídios quase triplicou, saltando de 37 assassinatos por 100 mil habitantes em 2009 para 91,6 em 2011. O país é considerado hoje o mais violento do mundo.

O reacionário Partido Nacional de Honduras continuou no poder até janeiro de 2022. O ex-presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, eleito em um processo eleitoral fraudado e acusado de vínculos com o narcotráfico, conduziu uma agenda moralizante, instituindo a proibição total do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo em que aprofundou o desmonte dos serviço públicos e da rede de proteção social. Zelaya filiou-se ao Partido Liberdade e Refundação (LIBRE), principal agremiação de esquerda em Honduras. Sua esposa, Xiomara Castro, foi candidata do partido na eleição presidencial de 2021. Foi eleita com uma vitória contundente, com quase 20 pontos de vantagem sobre o 2º colocado, tornando-se a primeira mulher a presidir o país.

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