¡Al paredón!: A Revolução Cubana e o mito dos fuzilamentos em massa


Uma multidão de cubanos exige punição para os colaboradores do regime do ex-ditador Fulgencio Batista, logo após o triunfo da Revolução Cubana, em 1959. Os cartazes trazem dizeres como "paredão para os covardes", "morte para os assassinos de mulheres e crianças" e "fuzilamento para os terroristas".

As tropas do ditador Fulgencio Batista cometeram inúmeras abusos atrocidades contra o povo cubano. Espancamentos, torturas, estupros em massa de mulheres e crianças, privações e execuções sumárias eram táticas de amedrontamento da população utilizadas de forma corriqueira pelo regime de Batista. Estima-se que seus soldados e milicianos tenham assassinado mais de 20.000 cubanos.

Não é de se espantar, portanto, a facilidade com que as forças revolucionárias comandadas por Fidel Castro e Che Guevara conquistaram apoio da imensa maioria do povo cubano na luta contra o regime de Batista — tampouco o fato de que logo após o triunfo da revolução, a população, em clima de linchamento e sedenta por vingança, saiu às ruas exigindo punição para os seus algozes. Uma pesquisa realizada em janeiro de 1959 apontava que 93% da população cubana apoiava punição para os colaboradores de Batista. No mesmo mês, durante uma transmissão para o público estadunidense produzida pela Universal Newsreel, quando Fidel Castro perguntou à multidão de mais de um milhão de pessoas concentradas em Havana se eles aprovavam punição às tropas de Batista, ouviu-se um vigoroso e ressonante "Sim!" seguido de gritos de "¡Al paredón!".

Apesar disso, não houve execuções sumárias ou massivas. Todos os homens acusados de crimes de guerra foram submetidos a julgamentos em tribunais compostos por até três oficiais do exército revolucionário, um assessor e um cidadão local de boa reputação. Cerca de 500 colaboradores de Batista foram condenados à morte por fuzilamento. Para efeitos de comparação, a polícia militar do Rio de Janeiro matou mais do que o triplo desse total apenas no ano de 2019 e as tropas estadunidenses mataram 1.300 vezes mais em apenas um ano na Guerra do Iraque.

No Brasil, país que se tornou um dos maiores epicentros de desinformação e difusão de notícias falsas e revisionismo histórico nos últimos anos, popularizou-se nas redes um texto apócrifo afirmando que a Revolução Cubana teria sido uma das mais violentas do mundo, causando mais de 100 mil mortes. Esse texto não tem qualquer vínculo com a documentação historiográfica, relatos ou mesmo informes de grupos de direitos humanos dos Estados Unidos, bastante críticos ao regime castrista. O relatório oficial mais crítico aos abusos de direitos humanos em Cuba, produzido pela organização Cuba Archive, por exemplo, afirma que 7.364 pessoas morreram em Cuba de 1959 até os dias de hoje - ou seja, conforme esse relatório, em 60 anos Cuba teria registrado somente 12% do número de assassinatos que o Brasil registra em um único ano.

Outro boato difundido nas redes sociais busca responsabilizar Che Guevara diretamente por fuzilamentos abusivos. Esse boato, assim como a teoria da Terra plana ou a crença de que vacinas causam autismo, é um fenômeno virtual recente, sem qualquer embasamento historiográfico de fontes primárias ou relatos coetâneos. As fontes historiográficas apontam justamente o oposto: Che Guevara não era responsável pelos pelotões de fuzilamento — ele era responsável por analisar os apelos dos condenados durante os processos do tribunal revolucionário. Os registros mostram que Che Guevara atuou na revisão de apenas 13 casos — e, em ao menos um deles, livrou da execução um colaborador de Batista que havia sido condenado à pena de morte. Sobre o assunto, o jornalista e correspondente de guerra estadunidense Jon Lee Anderson, autor de "Che Guevara: A Revolutionary Life", afirmou:

"Ainda não encontrei uma única fonte credível apontando para qualquer caso em que Che tenha executado um 'inocente'. As pessoas executadas foram condenadas pelos crimes usuais puníveis com a morte em tempos de guerra ou em sua consequência: deserção, traição ou crimes como estupro, tortura ou assassinato. Devo acrescentar que minha pesquisa durou cinco anos e incluiu cubanos anti-castristas entre a comunidade exilada cubano-americana em Miami e em outros lugares."

A conclusão de Lee foi referendada pelo escritor mexicano Paco Ignacio Taibo II no documentário "El Che", lançado em 2017. Após revisar todos os processos originais, o jornalista chegou à conclusão que as polêmicas recentes acusando Che Guevara de envolvimento nos fuzilamentos são "absolutamente falsas" e pontuou que, "embora a imagem de um Che sádico tenha inundado a rede, deveríamos pedir a todos estes caluniadores não para deixarem de ser reacionários, mas, ao menos, para deixarem de ser mentirosos."

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