Bücherverbrennung: a campanha nazista de queima de livros em praça pública
Uma multidão assiste a uma cerimônia de queima de livros em uma fogueira acesa na Praça da Ópera de Berlim, Alemanha. A ação fazia parte da "Bücherverbrennung", a campanha nazista de queima de livros em praça pública que teve início em 10 de maio de 1933.
Apoiado por empresários e vastos setores da burguesia alemã, o Partido Nazista venceu a estagnação dos anos iniciais e ascendeu rapidamente ao poder após 1929, obtendo resultados eleitorais mais expressivos a cada novo pleito. Nomeado chanceler em janeiro de 1933, Adolf Hitler articulou uma série de medidas para consolidar o domínio nazista sobre a Alemanha. O incêndio do Reichstag, falsamente atribuído aos comunistas, serviu como justificativa para que Hitler obtivesse plenos poderes, ordenando em seguida a suspensão dos direitos civis e políticos e o banimento da oposição. Os nazistas deram então início a um programa de doutrinação das massas e de cooptação ideológica das instituições, baseado no controle da informação e na subordinação dos aparelhos ideológicos da sociedade.
É nesse contexto que surge a campanha de queima de livros, ou "Bücherverbrennung", intencionando destruir todas as obras bibliográficas consideradas subversivas ou contrárias à ideologia nazista e ao pangermanismo. Sob o comando de Joseph Goebbels, o Ministério da Propaganda do governo nazista apoiou e incentivou as ações, mas foi o Escritório Central de Imprensa e Propaganda da União dos Estudantes Alemães que coordenou a realização da campanha. Em 8 de abril de 1933, a entidade divulgou suas "Doze Teses" — um manifesto ufanista em defesa da pureza da língua e da cultura germânicas, atacando o "intelectualismo judaico" e o marxismo. O nome do manifesto fazia referência às 95 Teses de Martinho Lutero, que em 1520 queimara a Bula Papal em protesto contra a Igreja Católica. O expurgo literário contou com a participação de outras organizações estudantis, nomeadamente a Liga dos Estudantes Nazistas e o Comitê Geral dos Estudantes, que conduziram uma espécie de competição baseada em quem destruiria mais livros.
Centenas de milhares de livros foram queimados. Os estudantes se guiaram por uma "lista negra" com 4.000 títulos considerados perniciosos pelas autoridades nazistas, mas não se limitaram a essas obras. O expurgo foi conduzido nos acervos das escolas, universidades e bibliotecas públicas. Em seguida, confiscaram-se os títulos presentes nas livrarias, editoras e coleções privadas. A primeira grande queima de livros ocorreu em uma fogueira montada na Praça da Ópera de Berlim, ocasião em que Joseph Goebbels proferiu um discurso enérgico proclamando o fim da "era do intelectualismo judaico" e o início da "revolução" que levaria ao aperfeiçoamento do caráter do homem germânico: "O futuro homem alemão não será apenas um homem de livros, mas um homem de caráter. É para isso que queremos educar você. Mesmo jovem, já terá a coragem de enfrentar o clarão impiedoso, de superar o medo da morte e de reconquistar o respeito pela morte", asseverou o burocrata nazista.
As obras de autores ligados à esquerda foram o alvo principal. Quase todos os livros de autores marxistas, socialistas e comunistas foram inclusos na lista de obras a serem queimadas. As primeiras obras destruídas foram justamente os livros de Karl Marx e Karl Kautsky. Em seguida, queimaram-se as obras de Friedrich Engels, Lenin, Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Bertolt Brecht, György Lukács, Egon Kisch e Erwin Piscator, entre outros. Autores germanófonos de ascendência judaica ou considerados "antipatrióticos" também alvos do expurgo: Albert Einstein, Sigmund Freud, os irmãos Heinrich e Thomas Mann, Franz Kafka e Hermann Hesse, entre outros. No campo da literatura estrangeira, os alvos eram textos de autores como Victor Hugo, Ernest Hemingway, Aldous Huxley, H. G. Wells, James Joyce, Oscar Wilde, Dostoiévski, Maiakovski, Tolstoi, etc. A queima não se limitou a exemplares comuns, estendendo-se às primeiras edições, obras raras e até manuscritos originais, resultando em um dano incalculável ao patrimônio bibliográfico do povo alemão.
Excetuada a oposição vigorosa dos exilados e de autores como Thomas Mann, Oskar Maria Graf e Ricarda Huch, não houve grande resistência à campanha de queima de livros junto à intelectualidade alemã. Na imprensa liberal do ocidente, sobretudo na estadunidense, a reação foi tímida. Registraram-se protestos de alguns jornalistas e ensaístas ligados à comunidade judaica ou à esquerda e o semanário "The Nation, acertadamente, previu o evento como o prenúncio de uma "era das trevas". A maioria dos jornais, entretanto, minimizou o evento, definindo-o como um ato de "rebeldia juvenil". A revista "The New Yorker" tratou a campanha como uma atividade extracurricular comum. Na imprensa conservadora, por sua vez, não faltaram elogios ao expurgo bibliográfico e votos entusiasmados de que o movimento inspirasse ações análogas em todo o mundo.
Nos anos seguintes, os nazistas fariam o mundo mergulhar na maior carnificina da história, levando às últimas consequências o terrorismo de Estado, a perseguição às minorias e instituindo o massacre sistemático de dezenas de milhões de judeus, comunistas e civis, em uma proporção até então nunca vista. Validavam assim o vaticínio enunciado mais de um século antes pelo poeta alemão Heinrich Heine, conhecido por suas críticas à religião organizada. Em 1821, protestando contra a censura imposta às suas obras, Heine afirmou, evocando a Inquisição: "Aqueles que queimam livros, terminam, mais cedo ou mais tarde, queimando homens". Os livros de Heine também foram queimados nas fogueiras alemãs em 1933.
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