Crime organizado, milícias e chacinas no Rio de Janeiro
Policiais removem o cadáver de um homem executado durante a Chacina do Jacarezinho. Rio de Janeiro, 6 de maio de 2021. Desencadeada pela operação "Exceptis" e conduzida pela Polícia Civil fluminense, a chacina foi a mais letal da história do Rio de Janeiro, resultando na morte de pelo menos 28 pessoas.
Conforme relatório divulgado pela plataforma digital Fogo Cruzado, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro registra em média uma chacina a cada semana. Somente nos últimos cinco anos, mais de mil pessoas foram mortas nas chacinas da Grande Rio. De cada quatro chacinas, três são derivadas de operações conduzidas pelas forças policiais fluminenses. A Polícia Militar do estado, por sua vez, é considerada a mais letal do mundo. Somente em 2019, as intervenções policiais do Rio de Janeiro resultaram em um saldo de 1.814 mortes — dez vezes o montante total de mortos produzidos pelas forças policiais do Iraque, país que se encontra em guerra civil. A frequência das chacinas tem aumentado de forma contínua desde os anos noventa.
As favelas são os cenários invariáveis das chacinas do Rio de Janeiro, sempre justificadas pela retórica da repressão ao tráfico de drogas. Na prática, o derramamento de sangue é resultado das múltiplas disputas por poder travadas entre forças policiais, milícias e facções criminosas. Emulando o modus operandi desenvolvido pelo Comando Vermelho ao longo dos anos oitenta, outras organizações criminosas ligadas ao narcotráfico (Terceiro Comando, Amigos dos Amigos, etc.) passaram a disputar o domínio das favelas, resultando em embates entre as facções e contra as forças de segurança. No início do século XXI, entretanto, as milícias começaram a competir pelo controle das favelas. Surgidas na década de 1970, as milícias são grupos parapoliciais compostos por agentes de segurança da ativa ou da reserva que estabelecem sistemas de exploração financeira baseados em extorsão e intimidação dos moradores e na exploração de serviços clandestinos, jogos de azar, agiotagem ou pagamento de taxas.
No Rio de Janeiro, o poder das milícias já é maior do que o de todas as facções criminosas somadas. As milícias controlam 56,7% do território da cidade (contra 15,4% das facções criminosas) e submetem ao seu domínio uma população de 2,1 milhões de habitantes. Para além do seu amplo domínio territorial, as milícias são particularmente perigosas por sua capacidade de articulação política, uma vez que contam com a condescendência das forças de segurança, das autoridades e de representantes políticos, cooptados por vantagens financeiras, financiamento de campanhas ou até mesmo por concordância ideológica. Mesmo dominando mais da metade do território carioca, as milícias nunca foram alvo de uma megaoperação das forças de segurança do Rio de Janeiro. Crescem continuamente, sem qualquer incômodo ou tentativa de repressão.
Em algumas favelas, as milícias estabeleceram alianças com o Terceiro Comando, dividindo as atribuições — os parapoliciais se ocupam da extorsão enquanto a facção gerencia o tráfico de drogas. Assim, em grande parte do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho tornou-se o alvo preferencial das organizações criminosas rivais. A favela do Jacarezinho é uma das regiões onde as milícias e o Terceiro Comando nunca conseguiram se estabelecer. Conforme a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o Jacarezinho é o "quartel-general do Comando Vermelho na Zona Norte", abrigando "uma quantidade relevante de armamentos".
É difícil, portanto, acreditar na justificativa oficial da Polícia Civil para conduzir a "Operação Exceptis", que visava alegadamente "impedir o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas". A própria instituição parece ter reconhecido isso ao divulgar um novo relatório de inteligência quatro dias após a operação, excluindo o combate ao aliciamento de crianças do rol dos objetivos da ação e enfatizando a necessidade de cumprir 21 mandados de prisão de acusados de tráfico de drogas ligados ao Comando Vermelho. A operação ocorreu menos de 12 horas após a reunião entre o então presidente Jair Bolsonaro, que em seu período como parlamentar chegou a defender a legalização das milícias, e o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Tampouco parece ser mero acaso a denominação da operação, reforçando a afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal, que havia determinado a suspensão das operações policiais nas favelas durante o transcorrer da pandemia de COVID-19.
A operação deixou, ao menos, 28 mortos — incluindo um policial civil. Desse total, quatro pessoas estavam no rol dos mandados de prisão. Treze dos mortos não tinham ficha criminal nem eram alvos da operação. O status de outras dez pessoas executadas na operação segue desconhecido, embora a Polícia Civil assegure que são nomes ligados ao narcotráfico. A operação foi condenada pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e por ONGs como a Human Rights Watch e a Comissão Arns. Bolsonaro, por sua vez, parabenizou a chacina e declarou apoio à execução sumária das vítimas, classificando todas como "traficantes" — mesmo que quase metade dos mortos não tivesse passagem pela polícia.
O amplo apoio à chacina conferido por uma parcela significativa da população brasileira indica um prognóstico sombrio para todos aqueles que lutam pelos direitos humanos e pela possibilidade de uma vida digna para os trabalhadores e para as classes marginalizadas. Se é fato que, no Brasil, os direitos humanos e o respeito à vida sempre variaram de acordo com a cor da pele e o saldo bancário dos indivíduos, também é fato que a naturalização da barbárie institucional e o apoio a uma política de extermínio abertamente racista e elitista nunca contaram com tanta aprovação explícita. Os ideólogos do discurso fascista que cultua a morte não apenas perderam o medo de mostrarem que são. Hoje se orgulham e quanto mais revelam sua verdadeira natureza, mais ampliam o seu rebanho.
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