Fatah e Hamas: as disputas políticas na Palestina
Militantes do Fatah (à esquerda, com bandeiras amarelas) e do Hamas (à direita, com bandeiras verdes) participam de um protesto conjunto contra a expansão das colônias israelenses em territórios palestinos. Fatah e Hamas, respectivamente os maiores movimentos políticos da esquerda e da direita palestinas, disputam o comando do governo palestino desde 2007.
Fundado em 1959 por Yasser Arafat, Khalil al-Wazir e outros membros da Diáspora Palestina, o Fatah (acrônimo transliterado de "Movimento de Libertação Nacional da Palestina") foi por décadas o principal movimento armado ativo na luta pela criação do Estado da Palestina. A princípio, o Fatah rechaçava a "solução dos dois Estados", referendada pela Resolução 181 da ONU, e negava a legitimidade de Israel. A organização era majoritariamente composto por estudantes, guerrilheiros e lideranças populares ligados à esquerda política. Em 1967, no contexto da Guerra dos Seis Dias, o Fatah se filiou à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma frente política e paramilitar congregando legendas da esquerda palestina — tais como a Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP), a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e o Partido Comunista Palestino (PCP). Desde então, o Fatah se manteve como força hegemônica da OLP, obtendo a maioria dos assentos do Comitê Executivo. O fundador do Fatah, Yasser Arafat, também assumiu a liderança da OLP. O Fatah se define como um partido nacionalista, laico e de centro-esquerda. É filiado à Aliança Progressista e à Internacional Socialista.
Contando com o apoio militar e diplomático da União Soviética, das nações socialistas e dos países da Liga Árabe, o Fatah coordenou milhares de ações de guerrilha e de enfrentamento aberto contra as Forças de Defesa de Israel, obtendo algumas vitórias táticas importantes e assegurando a continuidade da resistência palestina. A atuação política do Fatah ultrapassou as fronteiras israelo-palestinas, estendendo-se a países como o Líbano (onde apoiou o Movimento Nacional Libanês e combateu as falanges maronitas durante a Guerra Civil Libanesa) e a Jordânia (aliando-se à Organização Setembro Negro para combater os soldados jordanianos). Durante os anos oitenta, entretanto, o Fatah sofreu sucessivos revezes. A crise política do Bloco Socialista e o fim da subvenção soviética durante o governo de Mikhail Gorbachev reduziram a capacidade responsiva do Fatah, ao passo que a forças armadas israelenses desarticularam as principais bases da organização no Líbano. Enfraquecidos, o Fatah e a OLP viram-se obrigados a fazer uma série de concessões. Em 1988, o partido renunciou à luta armada, dissolvendo a maior parte de suas brigadas e milícias, em troca de maior autonomia sobre os territórios palestinos. O Fatah também moderou seu discurso, passando a reconhecer o Estado de Israel e a aceitando oficialmente a solução dos dois Estados.
A decisão do Fatah de adotar um discurso mais moderado e conciliatório frustrou boa parte dos palestinos. Os sucessivos fracassos dos acordos de paz e a continuidade das agressões israelenses causaram no povo palestino a impressão de que o Fatah errou ao fazer muitas concessões sem que Israel oferecesse qualquer contrapartida. Essa conjuntura levou ao fortalecimento da direita palestina, representada pelo Hamas. Fundado em 1987 por iniciativa do xeique Ahmed Yassin, o Hamas (acrônimo transliterado de "Movimento de Resistência Islâmica") é um partido ultraconservador e islamista de orientação sunita, constituindo-se no braço político e paramilitar da Irmandade Muçulmana na Palestina. Ao contrário do Fatah, o Hamas rejeita o conceito de laicismo e a solução dos dois Estados, pregando a instituição de um único Estado islâmico ocupando toda a extensão original da Palestina Mandatária. Paradoxalmente, o próprio governo israelense ajudou a financiar a fundação do Hamas, visando transformá-lo em contraponto à esquerda secular da OLP. Apoiado pela burguesia árabe-islâmica e por governos estrangeiros como o Irã, o Hamas tem expandido sua base nas últimas décadas, atraindo amplo apoio dos trabalhadores palestinos graças ao seu discurso radical de enfrentamento a Israel e de defesa do nacionalismo palestino.
O rápido crescimento do Hamas e suas críticas ácidas à tepidez do governo do Fatah levaram à crescente confrontação entre as legendas e a uma ríspida disputa pelo poder. As rusgas entre os dois partidos se ampliaram após o falecimento de Yasser Arafat em 2004, com o Hamas contestando veementemente as decisões de Mahmoud Abbas. Após a retirada de postos militares israelenses da Faixa de Gaza, as forças de segurança comandadas pelo Fatah entraram em atrito com as forças paramilitares do Hamas. Nas eleições de 2006, o Hamas conquistou 76 dos 132 assentos do Conselho Legislativo da Palestina, contra 43 do Fatah. Após tornar-se a maior bancada, o Hamas passou a reivindicar o controle sobre a Autoridade Nacional Palestina (o governo palestino unificado), gerando resistência do Fatah, que considerava que o radicalismo da agremiação geraria o recrudescimento da repressão israelense e emperraria quaisquer eventuais acordos de paz. Diante da impossibilidade de formar um governo de coalizão, os dois partidos romperam e passaram a disputar o poder militarmente, levando à eclosão da Batalha de Gaza.
O Hamas venceu a disputa e expulsou as forças de segurança do Fatah, assumindo o controle pleno da Faixa de Gaza. Já o Fatah seguiu detendo o controle da Cisjordânia. O conflito entre os dois movimentos resultou na divisão da Autoridade Nacional Palestina e no fim do governo de unidade, fragmentado em duas facções, cada uma governando um bolsão palestino. Hamas e Fatah passaram os anos seguintes lutando entre si e contra Israel. Alarmadas com a possibilidade de o Hamas assumir o controle pleno dos territórios palestinos, as potências ocidentais passaram a realizar repasses financeiros para as forças de segurança do Fatah. Já Israel decretou o bloqueio econômico e comercial da Faixa de Gaza, que se mantém há 14 anos, levando a região a uma grave crise humanitária.
Hamas e Fatah assinaram em Saná, capital do Iêmen, um acordo de reconciliação em 2008, mas as negociações foram interrompidas após a prisão de membros de uma milícia do Hamas ordenadas pelo presidente palestino Mahmoud Abbas. Em 2009, um novo conflito entre as duas legendas surgiu após o Hamas executar uma série de palestinos ligados ao Fatah, acusados de colaboração com as Forças de Defesa de Israel. Diversas tentativas de reunificação do governo palestino foram empreendidas desde então, sem sucesso. O Hamas acusa o Fatah de estar colaborando com as potências ocidentais e com o governo Israel, enquanto o Fatah afirma que o Hamas pretende impor um governo autoritário e teocrático sobre a Palestina. A correlação de forças pode se alterar após a realização das eleições parlamentares de 2021, originalmente marcadas para o mês de maio, mas adiadas indefinidamente após o recrudescimento dos ataques de Israel, cada vez mais concentrados na Faixa de Gaza.
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