O sionismo e as origens do conflito entre Israel e Palestina


Situada em uma encruzilhada estratégica entre a Ásia, a África e a Europa e cercada pelas civilizações do Mar Mediterrâneo e do Crescente Fértil, a região da Palestina é um território marcado por disputas desde a Antiguidade. Habitada por tribos semitas, nômades e indo-europeias (cananeus, filisteus, arameus, moabitas, etc.) e berço dos reinos de Samaria e Judá, a região foi controlada por muitos impérios ao longo da história. Assírios, babilônicos, persas, egípcios, helênicos e romanos se sucederam no domínio da Palestina. Após a Revolta de Barcoquebas (132-136 d.C.), parte substancial dos judeus foi banida de Jerusalém e a região, convertida na província romana de Síria Palestina, passou a ser progressivamente habitada por árabes. Cristianizada pelo Império Bizantino, a Palestina ganhou de Constantinopla o status de "Terra Santa", embora tenha conservado importante atividade intelectual judaica. Após a conquista árabe (634-640), a região foi islamizada e integrada aos califados muçulmanos. Governada pelas dinastias egípcias, passou posteriormente ao domínio dos cruzados, que fundaram o Reino Latino de Jerusalém. Logo em seguida, foi anexada pelo Império Otomano, que a controlou do século XVI até a Primeira Guerra Mundial.

Por mais de 1.300 anos, do período pós-clássico até meados do século XX, a Palestina manteve-se habitada por uma maioria absoluta de muçulmanos, uma expressiva minoria cristã e uma pequena minoria de drusos e judeus. O perfil demográfico e religioso do país começou a se alterar a partir do fim do século XIX, quando o sionismo ganhou força e passou a insuflar a imigração judia para a Palestina. O sionismo é um movimento nacionalista e conservador que surgiu em reação ao processo de assimilacionismo. Seu principal articulador foi o escritor austro-húngaro Theodor Herzl, autor de "O Estado Judeu" — obra basilar do movimento sionista, que argumentava que o antissemitismo só seria resolvido quando os judeus dispersos pelo mundo se reunissem em um Estado nacional independente. A Palestina tornou-se o local preferencial para a criação deste Estado judeu, justificado pela pregação mística (o regresso a uma suposta "terra prometida" para o "povo escolhido") e pelo revisionismo histórico (a concepção de que a Palestina seria "uma terra sem povo para um povo sem terra").

Em 1897, Herzl organizou o I Congresso Sionista em Basileia, Suíça, onde teve início a campanha internacional para criação do "lar dos judeus" na Palestina. Além de angariar apoio da burguesia judaica, a ideia de Herzl foi encampada com entusiasmo pela plutocracia capitalista ocidental. Isso porque Herzl assegurava que um Estado judeu serviria como um enclave da Europa no Oriente Médio. Em suas palavras: "um pedaço de fortaleza contra a Ásia, uma sentinela avançada da civilização contra a barbárie". Criava-se, assim, um vínculo indissociável entre sionismo e imperialismo. Converter a Palestina em um Estado judeu garantiria à burguesia ocidental e judaica uma fortaleza para conter o avanço do nacionalismo árabe e dos movimentos anticoloniais e anti-imperialistas que se encontravam em franca expansão no Oriente Médio. A derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial forneceu as condições perfeitas para que o projeto do Estado judeu avançasse, pois permitiu ao Reino Unido assumir o controle da Palestina. O mandato britânico foi referendado pelos Acordos de San Remo, que mencionavam a necessidade de criar na Palestina "um lar nacional para o povo judeu".

Rejeitando o projeto de Estado judeu, os árabes palestinos organizaram uma série de revoltas populares entre 1920 e 1929, além de uma prolongada guerrilha contra o mandato britânico, levada a cabo a partir de 1936. Ignorando o direito à autodeterminação do povo palestino, o movimento sionista, apoiado por banqueiros e grandes empresários, passou a promover a imigração clandestina de colonos judeus para a Palestina. Ao mesmo tempo, os sionistas financiaram a criação de grupos terroristas como o Irgun, Stern e Haganá, responsáveis por coordenar ações armadas e atentados contra os palestinos, visando intimidá-los e forçá-los a abandonarem suas propriedades e aldeias. Paralelamente às ações paramilitares e de colonização e à cooptação do apoio da burguesia e dos governos, o movimento sionista conduziu uma campanha cultural bem sucedida, difundindo a ideia de que os judeus tinham um "direito histórico e sagrado" de ocupar a Palestina. Por fim, o massacre dos judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial demoliria as eventuais resistências à reivindicação do movimento sionista sobre a necessidade de criar uma nação judaica independente.

Em 1947, como resultado da articulação política internacional conduzida pelos Estados Unidos, pelas potências europeias e pelo movimento sionista, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a criação do Estado de Israel, que deveria partilhar o território palestino com um Estado árabe. Conforme a a resolução da ONU, Israel ficaria com 56,4% do território (incluindo as terras mais férteis) e o Estado palestino com 42,9%. A cidade de Jerusalém, correspondendo a 0,7% do território, seria administrada pela ONU, por ser um local sagrado para judeus, muçulmanos e cristãos. A votação foi coordenada pelo chanceler brasileiro Oswaldo Aranha, que acompanhou o voto estadunidense e adiou por dois dias a consulta, até que as potências imperialistas e os sionistas conseguissem o número de votos necessários para aprovar a proposta.

Em maio de 1948, os britânicos se retiraram da Palestina e o Estado de Israel foi oficialmente fundado. Contrariando a resolução da ONU, entretanto, Israel impediu a instalação de um Estado palestino, dando continuidade à política de colonização dos territórios árabes. Rejeitando a resolução da ONU e objetivando proclamar o Estado Unido da Palestina, os países da Liga Árabe (Egito, Síria, Líbano, Iraque e Transjordânia) declararam guerra a Israel. A Guerra Árabe-Israelense se estendeu até 1949 e terminou com a derrota das nações árabes. Colhendo os louros da vitória, Israel ampliou seu território para muito além dos limites previstos, reduzindo o território palestino as bolsões da Cisjordânia (administrada pela Jordânia) e da Faixa de Gaza (administrada pelo Egito). Paralelamente ao conflito, Israel empreendeu um processo massivo de limpeza étnica, através da remoção compulsória da população árabe das terras palestinas. Foi o início do chamado êxodo palestino, ou "Nakba" ("A Catástrofe"). Aproximadamente 800 mil palestinos foram expulsos de Israel (cerca de 80% de toda a população árabe do país à época). Além de expulsar os moradores, Israel destruiu aproximadamente 600 cidades palestinas, visando erradicar os registros históricos árabes, e deu início a um processo de hebraização do território. Com isso, os palestinos, que eram a maioria absoluta em 15 dos 16 distritos de Israel em 1947, tornaram-se grupos minoritários em todo o país.

Em 1964, os países da Liga Árabe criaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), movimento político e militar que visava combater o sionismo e restaurar a pátria palestina. Três anos depois, o Egito bloqueou o acesso dos navios israelenses ao Canal de Suez e iniciou manobras militares na península do Sinai, sendo seguido pela Jordânia e pela Síria. Em resposta, Israel lançou uma ofensiva militar contra as nações da Liga Árabe, dando início à Guerra dos Seis Dias. Vitorioso, Israel ampliou ainda mais seu território, ocupando o Sinai, Jerusalém, a Cisjordânia e as colinas de Golan. Em 1973, Egito, Síria e Iraque lançaram um novo ataque, visando recuperar os territórios perdidos em 1967, desencadeando a Guerra do Yom Kippur. O apoio militar dos Estados Unidos a Israel motivou a União Soviética a entrar na batalha apoiando as nações árabes, criando grande apreensão em relação ao escalonamento do conflito. Não obstante, a ONU conseguiu negociar um cessar-fogo em poucos dias. No ano seguinte, Yasser Arafat, presidente da OLP, fez um discurso histórico no plenário da ONU denunciando as sistemáticas violações das resoluções internacionais e dos direitos humanos do povo palestino cometidas por Israel.

Apoiada pelos países socialistas, pelo Movimento dos Países Não-Alinhados, pela Organização de Unidade Africana e pela Liga Árabe, a OLP obteve importantes vitórias diplomáticas, ingressando como observadora nos trabalhos e sessões da Assembleia Geral da ONU e amealhando crescente apoio internacional. Israel, entretanto, seguiu conduzindo operações militares contra os aliados da Palestina. Em 1978, as Forças de Segurança de Israel invadiram o Líbano durante a Operação Litani, visando atacar uma base da OLP no país. Em 1982, Israel voltou a atacar o Líbano, dessa vez objetivando debelar uma célula do Fatah, braço político da OLP. A invasão deixou 20 mil civis mortos e ensejou os infames Massacres de Sabra e Shatila, cometidos por uma milícia maronita com apoio logístico dos soldados israelenses. Os palestinos responderam articulando a Primeira Intifada, um levante popular que eclodiu em 1987 em vários pontos dos territórios ocupados. Em 1988, o Conselho Nacional da Palestina aprovou a declaração de independência, decretando oficialmente a fundação do Estado da Palestina (atualmente reconhecido por 137 dos 193 países-membros da ONU). Em 1991, após a deflagração da Guerra do Golfo, a OLP apoiou os ataques do Iraque contra Israel.

A dissolução da União Soviética e a crise do Bloco Socialista tiveram profundo impacto sobre a capacidade diplomática e militar de resistência da OLP, forçando-a a fazer concessões, como o reconhecimento da legitimidade do Estado de Israel. Em 1993, por ocasião da assinatura do Acordo de Paz de Oslo, foi criada a Autoridade Nacional Palestina, organização sob o comando de Yasser Arafat, que assumiu a gestão dos territórios da Faixa de Gaza e das áreas A e B da Cisjordânia. Israel, entretanto, não honrou os acordos e deu continuidade à expansão dos assentamentos judeus em terras palestinas. O assassinato de 52 muçulmanos por terroristas israelenses durante o Massacre do Túmulo dos Patriarcas e a subsequente repressão brutal aos manifestantes palestinos, causando a morte de outras 19 pessoas, também minaram o apoio público dos árabes ao Acordo de Paz. A negativa de Israel em devolver os territórios ocupados após 1967 levou ao fracasso de uma nova rodada de negociações realizadas durante a Cúpula de Camp David e incentivou uma nova onda de levantes populares palestinos — a chamada Segunda Intifada.

Após a morte de Yasser Arafat em 2004, Mahmoud Abbas foi eleito presidente da Autoridade Nacional Palestina e conseguiu negociar com o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, a retirada unilateral de alguns postos militares israelenses da Faixa de Gaza. Um conflito interno entre os palestinos, entretanto, ocasionou a ascensão da organização sunita Hamas, braço político e militar da Irmandade Muçulmana, que logrou conquistar o controle da Faixa de Gaza. O discurso em prol da radicalização da luta contra Israel atraiu amplo apoio ao Hamas, que venceu as eleições parlamentares de 2006, conquistando 76 dos 132 assentos do Parlamento Palestino. O Fatah obteve 43 cadeiras, e seguiu com o controle da Cisjordânia. Em resposta à eleição do Hamas, o governo israelense decretou em 2007 o bloqueio econômico e comercial da Faixa de Gaza — medida que continua em vigor até os dias de hoje, gerando grave desabastecimento de itens básicos e potencializando a crise humanitária na região.

Após a ascensão do premiê Benjamin Netanyahu, apoiado pela extrema-direita e pelos partidos ultraortodoxos de Israel, a repressão aos palestinos tem se agravado. Desde 2012, o governo israelense conduz campanhas permanentes de bombardeios aéreos maciços contra áreas residenciais palestinas densamente povoadas, causando a morte de milhares de pessoas, incluindo centenas de crianças e adolescentes. O governo de Israel também intensificou a campanha de expulsão dos palestinos de suas terras, encurralando-os em bolsões precários, sem acessos a serviços básicos — incluindo água potável. Netanyahu tem incentivado abertamente a radicalização da polícia e das Forças de Segurança de Israel, ao mesmo tempo em que intensifica o bloqueio à Faixa de Gaza. Ao que parece, Israel pretende aplicar na Palestina uma "solução final", levando os palestinos à situação de anomia com o fim de despovoar gradativamente suas zonas de controle e finalmente acessar as valiosas jazidas de gás natural da Faixa de Gaza. Israel parece não ver nenhum dilema em utilizar a limpeza étnica como instrumento para consolidar o controle sobre os recursos palestinos. E a comunidade internacional, ao que parece, irá apenas testemunhar inerte o grotesco desenrolar de uma tragédia anunciada há décadas.

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