Jorge Amado
O escritor Jorge Amado fotografado por Otto Stupakoff em 1978. Expoente da segunda fase do modernismo brasileiro e militante comunista desde a juventude, Jorge Amado escreveu diversas obras abordando a temática da luta de classes, consolidando-se como representante máximo do romance social. Sua obra posterior buscou retratar as diversas facetas da cultura brasileira, abrangendo clássicos eternizados no imaginário popular — de "Gabriela, Cravo e Canela" a "Tieta do Agreste". É um dos autores brasileiros mais lidos de todos os tempos, bem como o mais adaptado para cinema, teatro e televisão, fato que lhe valeu a alcunha de "o escritor do povo".
Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na Fazenda Auricídia, Itabuna, no litoral sul da Bahia. Era o primogênito dos quatro filhos de João Amado de Faria e Eulália Leal, produtores de cacau. Fugindo da epidemia de varíola e das enchentes do Rio Cachoeira, mudou-se com a família para Ilhéus, cidade que serviria de cenário e inspiração para seus futuros romances. Enviado a Salvador para concluir seus estudos em um internato jesuíta, o jovem fugiu e foi procurar o avô em Itaporanga, Sergipe. Durante esse período, conviveu com os trabalhadores nas plantações de cacau e testemunhou os abusos dos fazendeiros. Voltou aos estudos no Ginásio Ipiranga, onde dirigiu o jornal do grêmio estudantil "A Pátria", e fundou um pasquim de oposição, intitulado "A Folha". Evidenciando seu precoce talento literário, começou a escrever aos 14 anos para o "Diário da Bahia" e para "O Imparcial". No mesmo período, publicou a poesia "Poema ou Prosa" na revista "A Luva", satirizando a produção lírica de então. Em 1927, ingressou na "Academia dos Rebeldes", um círculo literário juvenil que intencionava fomentar a renovação estética da literatura baiana.
Em 1930, Jorge Amado se mudou para o Rio de Janeiro, a fim de estudar na Faculdade de Direito da UFRJ. Durante a graduação, teve contato com a teoria política, o movimento estudantil e o ambiente de discussão sobre os problemas do país, o que o influenciou a se filiar à Juventude Comunista. Aos 18 anos, publicou seu primeiro romance, "O País do Carnaval", um relato crítico sobre a intelectualidade brasileira dos anos 20, onde já se evidenciam características do estilo e a abordagem de temas que acompanhariam sua produção pelo resto da vida. Dois anos depois, lançou seu segundo livro, "Cacau", tratando sobre a exploração inclemente dos trabalhadores nas plantações do sul da Bahia e o fenômeno da conscientização política. A obra chegou a sofrer censura, mas foi liberada graças à intervenção de Osvaldo Aranha. Nos anos seguintes, Jorge Amado seguiu escrevendo romances marcados pela crítica social e incentivo ao engajamento político, tais como "Suor" e "Jubiabá".
Em 1936, já filiado ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), Jorge Amado ficou preso por dois meses, sob acusação de ter apoiado o Levante Comunista contra o governo de Getúlio Vargas, coordenado por Luís Carlos Prestes e pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) no ano anterior. No ano seguinte, publicou "Capitães da Areia", uma aguçada crítica política denunciando a realidade dos menores abandonados na Bahia. A obra foi apreendida pela censura do Estado Novo e Jorge Amado foi novamente preso. Seus livros foram rotulados como subversivos e queimados em fogueiras públicas nas ruas de Salvador. Libertado em 1938, o escritor trabalhou na redação do jornal literário Dom Casmurro e colaborou com outros intelectuais de esquerda na revista "Diretrizes". Com o recrudescimento da repressão anticomunista, deixou o Brasil, refugiando-se na Argentina e posteriormente no Uruguai. No exílio, publicou "O Cavaleiro da Esperança", biografia poética de Luís Carlos Prestes, e romances denunciando o coronelismo e a concentração fundiária ("São Jorge dos Ilhéus" e "Terras do Sem-Fim").
De volta ao Brasil, o escritor se engajou na luta pela anistia aos presos políticos, ocasião em que conheceu Zélia Gattai, sua futura esposa. Com a redemocratização em 1945, Jorge Amado foi eleito deputado federal por São Paulo e integrou a bancada do PCB na Assembleia Nacional Constituinte, ao lado de Prestes, João Amazonas e Carlos Marighella, entre outros. Durante seu mandato, redigiu a emenda que garantiu a liberdade religiosa, antiga reivindicação dos adeptos das religiões afro-brasileiras, então sob forte assédio do radicalismo cristão. Propôs outras 13 emendas abrangendo temas como isenção tributária para a produção livros, fim da censura prévia à imprensa e proibição do ensino religioso. Em 1946, Jorge Amado publicou "Seara Vermelha", obra que aborda a luta dos retirantes nordestinos por condições de vida mais dignas e analisa e as causas sociais do flagelo dos sertanejos. Dois anos depois, o escritor teve seu mandato cassado, assim como todos os outros parlamentares do PCB. O registro eleitoral do partido foi cancelado por determinação da justiça e seus militantes foram novamente submetidos à perseguição dos órgãos repressivos do governo.
Jorge Amado exilou-se novamente, vivendo alternadamente entre a França, a Tchecoslováquia e a União Soviética (1948-1954). Também efetuou uma série de viagens à Albânia, China, Mongólia e outras nações do bloco socialista. Em 1951, lançou "O Mundo da Paz", onde relatou suas impressões positivas sobre a vida nas nações socialistas. A obra foi proibida no Brasil e o escritor foi processado pela Lei de Segurança Nacional. No mesmo ano, Jorge Amado foi condecorado pelo governo soviético com o Prêmio Stalin da Paz. Em 1954, lançou a trilogia "Os Subterrâneos da Liberdade", formado pelos volumes "Os Ásperos Tempos", "Agonia da Noite" e "A Luz no Túnel", nos quais aborda criticamente o período do Estado Novo, a luta de classes e a associação entre a burguesia brasileira e o imperialismo. Nesse mesmo período, firmou uma sólida carreira internacional, sobretudo na União Soviética, onde seu romance "Seara Vermelha" tornou-se o livro estrangeiro mais lido da década de 50 e uma obra onipresente nas bibliotecas públicas do país. Tornou-se igualmente um dos autores mais lidos na Alemanha Oriental e no Leste Europeu, conquistando o público com suas denúncias das mazelas da exploração capitalista.
A identificação do escritor como comunista, seus vínculos com a União Soviética e nações socialistas e as críticas ácidas ao imperialismo estadunidense levaram a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) a monitorá-lo desde o fim da década de 1940. Em um documento produzido pela agência em 1950, Jorge Amado é chamado de "garoto de recado dos comunistas". A partir de 1952, o autor passou a ser proibido de entrar em território estadunidense com base nas restrições da lei de imigração. Também foi alvo de uma campanha persecutória pela imprensa ocidental, que reverberou em grande parte da intelectualidade brasileira, levando o escritor ao isolamento no meio artístico. Entre seus críticos estava Oswald de Andrade, que definiu Jorge Amado como "um alto-falante que mecanicamente repete as lições do DIP vermelho do Kremlin".
Em 1956, durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Kruschev apresentou seu relatório atribuindo uma série de crimes a Josef Stalin. Grande admirador do líder soviético, a quem já havia definido como "aquilo de melhor que a humanidade já produziu", o escritor sentiu-se constrangido pelas denúncias. Aturdido pela ausência de contestação ao relatório e pela adesão do comitê central do seu partido às teses de Kruschev, Jorge Amado se desligou do PCB. O ocorrido levou a uma inflexão na produção literária do escritor, que a partir de então atenuou seu engajamento político e reduziu a intensidade de suas críticas sociais. Suas obras passaram a priorizar a representação do comportamento e dos aspectos culturais do povo brasileiro, abordando temas como a miscigenação e o sincretismo religioso, com predomínio do humor e da sensualidade. O marco inicial dessa fase é "Gabriela, Cravo e Canela", lançado em 1958, que mantém referências às questões sociais, mas dá ampla proeminência à crônica de costumes.
A cisão com os comunistas causou ressentimentos, que se agravaram diante das críticas ácidas à sua nova produção feitas por intelectuais do PCB (sobretudo Jacob Gorender), seguidas por respostas atravessadas de Jorge Amado, sobretudo aos editores da revista "Novos Rumos". O público geral, por outro lado, aprovou a nova fase. Evocando habilmente a influência do realismo mágico, com narrativas ricas, personagens carismáticos e tramas envolventes, Jorge Amado escreveu uma série de obras que se tornaram referências do imaginário popular. É o caso de "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água" (1959), "Os Velhos Marinheiros" (1961) e, sobretudo, dos romances protagonizados por figuras femininas fortes, sensuais e contestadoras dos paradigmas sociais, tais como "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966), "Tenda dos Milagres" (1969), "Tereza Batista Cansada de Guerra" (1972) e "Tieta do Agreste" (1977).
A atenuação da crítica social na produção literária de Jorge Amado não fez com que o autor deixasse de ser alvo da censura e da vigilância do Estado brasileiro. Jorge Amado foi o escritor mais espionado pelos serviços de inteligência do Brasil. Os arquivos policiais mostram que o autor foi ininterruptamente monitorado entre 1936 e 1985. O autor não voltaria a se filiar ou militar formalmente em agremiações políticas, mas criticou abertamente o golpe de 1964 e a ditadura militar e liderou manifestações contra a censura do regime, negando-se a submeter obras à apreciação prévia. Nas décadas seguintes, produziu novos romances ("Tocaia Grande", "O Sumiço da Santa", "A Descoberta da América pelos Turcos"), fábulas e livros infantis ("A Bola e o Goleiro", "O Milagre dos Pássaros") e livros de memórias ("O Menino Grapiúna", "Navegação de Cabotagem").
Jorge Amado faleceu em Salvador, em 6 de agosto de 2001, aos 88 anos de idade. Sua obra literária abrange 49 livros, traduzidos para dezenas de línguas e publicados em mais de 80 países. Foi agraciado em vida com o Prêmio Camões, maior honraria da literatura lusófona, outorgado em 1994. Ocupou a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras e recebeu mais de uma dezena de títulos "Doutor Honoris Causa" de universidades brasileiras e europeias.
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