Pravda

Poucos veículos de imprensa tiveram um impacto histórico tão grande quanto o jornal Pravda. Fundado em Moscou em 1903, o periódico foi o principal meio de difusão dos ideais revolucionários entre os operários russos e ajudou a mobilizar as massas para a Revolução de Outubro de 1917. Posteriormente, o Pravda se transformou no órgão oficial de imprensa do Partido Comunista da União Soviética e chegou a ser o jornal de maior circulação do mundo, com uma tiragem superior a 10 milhões de exemplares diários.

O Pravda ("Verdade" em língua russa) foi fundado por iniciativa de Vladimir Aleksandrovich Kozhevnikov, um afluente engenheiro ferroviário, a princípio como um jornal especializado em arte e literatura. Seu conselho editorial agregava intelectuais do porte de Alexander Bogdanov, Mikhail Pokrovski, Ivan Skvortsov-Stepanov e Nikolai Aleksandrovich Rozhkov, entre outros. Em meio ao clima de agitação social e organização política do movimento operário após a Revolução de 1905, vários editores do jornal tornaram-se membros do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), passando a integrar suas duas facções majoritárias —  mencheviques e bolcheviques. Mais próximo dos mencheviques, Kozhevnikov acabaria por expulsar os bolcheviques do conselho editorial do jornal, que foi posteriormente convertido em veículo de mídia oficial do partido Spilka, uma dissidência do POSDR.

Em 1908, Leon Trótski foi convidado a dirigir o jornal e em 1909 a redação do Pravda foi transferida para Viena. Trótski adaptou o Pravda para o formato tabloide e buscou manter o veículo afastado das lutas intrapartidárias do POSDR. Não obstante, os colaboradores bolcheviques conseguiram gradualmente isolar as lideranças do Spilka na redação e recuperaram seus assentos no conselho editorial. Dando vazão ao clima de radicalização das massas, o Pravda conquistou grande popularidade entre os trabalhadores russos. Em 1912, após a expulsão da facção menchevique do POSDR, Lenin assumiu a liderança da agremiação. Os bolcheviques decidiram então transformar o Pravda no órgão oficial do partido. O veículo seria "um jornal feito por proletários para proletários". A redação do Pravda foi transferida para São Petersburgo e a primeira edição supervisionada por Lenin foi lançada em 5 de maio de 1912, data de aniversário de Karl Marx.

Vendendo até 60 mil cópias diárias, o Pravda logo se tornou um dos jornais mais populares da Rússia e o principal veículo de difusão do ideário socialista. O jornal publicava artigos sobre questões econômicas e políticas, denunciava a exploração dos patrões e as más condições de vida da classe operária, informava sobre a mobilização do movimento operário e exortava o povo a se rebelar contra a as injustiças e participar das greves. Incomodadas com a linha editorial do jornal, as autoridades czaristas o submeteram a intensa repressão. Em julho de 1914, o jornal foi obrigado a encerrar suas atividades. Vários de seus editores foram presos, mas o jornal seguiu circulando clandestinamente, alterando seu nome repetidas vezes para contornar a censura governamental.

O jornal voltou a circular após a eclosão da Revolução de 1917 e a abdicação do czar Nicolau II. A princípio, os editores Viatcheslav Molotov e Alexander Shliapnikov utilizaram o Pravda como veículo de oposição ao Governo Provisório Russo. A linha editorial seria modificada em 12 de março de 1917, quando Josef Stalin, Lev Kamenev e Matvei Muranov retornaram do exílio e assumiram o conselho editorial do jornal, imprimindo um tom mais moderado em relação ao governo provisório e direcionando as críticas às forças contrarrevolucionárias. Posteriormente, o jornal passou a radicalizar sua oposição ao governo provisório e a preparar o terreno para a Revolução de Outubro. Com o triunfo dos bolcheviques, os escritórios do Pravda foram transferidos para Moscou e o jornal se converteu no órgão de imprensa oficial do Partido Comunista e do governo revolucionário.

O Pravda era o meio pelo qual o governo soviético anunciava suas ações e informava sobre as mudanças políticas em curso. Entre 1918 e 1920, o jornal também foi utilizado para mobilizar a população e recrutar voluntários para defender a revolução durante a Guerra Civil Russa. O jornal serviu de matriz a uma série de periódicos especializados, ganhando edições específicas voltadas para o Komsomol (União da Juventude Comunista) e os Jovens Pioneiros, além de edições regionais em lugares como Cazaquistão, Arkhangelsk e Murmansk. Ao longo da década de vinte, o conselho editorial do Pravda se tornou palco de uma intensa disputa entre Josef Stalin e editores dissidentes como Mikhail Tomsky e Nikolai Bukharin. A partir do anos trinta, o Pravda reforçou sua atuação propagandística, buscando estimular a adesão popular aos projetos agrícolas e industriais e às reformas modernizantes conduzidas pelo governo da União Soviética. Foi nesse período que o jornal começou a publicar diariamente em sua folha de capa o slogan revolucionário "Trabalhadores do mundo, uni-vos!", oriundo do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels.

O Pravda voltou a ter um papel fundamental de mobilização e informação durante a Segunda Guerra Mundial. Ciente da influência do jornal, a Alemanha nazista chegou a elaborar e distribuir sua própria versão anticomunista do Pravda nos territórios soviéticos ocupados, substituindo o slogan original de Marx e Engels pela expressão "Trabalhadores do mundo, uni-vos no combate ao bolchevismo!". Ao término do conflito, o Pravda novamente insuflou a mobilização popular, dessa vez buscando engajar o povo soviético nos esforços de reconstrução do país. Ao mesmo tempo, notabilizou-se internacionalmente por seus ensaios cáusticos e críticas firmes em resposta aos ataques ocidentais durante a Guerra Fria. O estilo editorial do jornal tornou-se um modelo copiado por diversos periódicos das nações socialistas. Na década de 1970, o Pravda se tornou o jornal de maior circulação do mundo, com uma tiragem diária de 10,6 milhões de exemplares. O jornal possuía mais de 40 versões regionais e seu conselho editorial recebia em média 1.300 cartas de leitores por dia. Um trecho do litoral do Oceano Ártico foi batizado como "Costa Pravda" em sua homenagem.

O jornal entrou em crise em meados da década de oitenta, em função dos cortes orçamentários promovidos por Mikhail Gorbachev. Em 1996, durante o governo de Boris Yeltsin, o jornal foi privatizado e incorporado a um conglomerado de mídia grego, que o rebatizou como Pravda International. Após a privatização, o jornal passou por uma cisão derivada de uma disputa interna. Um grupo de jornalistas atuantes no periódico desde a era soviética separou-se do conglomerado e fundou o jornal virtual Pravda. Posteriormente, o Partido Comunista da Federação Russa adquiriu o Pravda International e o transformou em seu órgão oficial de imprensa. Após a judicialização do caso, um tribunal de arbitragem russo decidiu que as duas entidades tinham permissão de usar o nome "Pravda".


Lenin lendo o jornal Pravda. Rússia, c. 1918.


Primeira edição do Pravda supervisionada por Lenin, publicada em 5 de maio de 1912, aniversário de Karl Marx.


Impressão do Pravda, em 1913.


Um grupo de trabalhadoras lendo o Pravda.


Soldados do Exército Vermelho lendo o Pravda nas trincheiras em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial.


Josef Stalin retratado com o Pravda nas mãos em um cartaz de 1950.


"'O jornal não é apenas um propagandista e um agitador coletivo, mas também um organizador coletivo.' Lenin". Cartaz de 1950 representando populares lendo o Pravda.


"Nós forjamos as chaves da felicidade". Cartaz de 1965 em homenagem ao Pravda.


Jornais Pravda recém-impressos, em 1987.


Quadro de avisos com a edição diária do Pravda nas ruas de Moscou.


Populares lendo o Pravda nas ruas de Moscou.

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