Tesouros do Museu Nacional: o trono real de Daomé
Trono do Reino do Daomé, esculpido em madeira entre o fim do século XVIII e o início do século XIX. Chamado "zingpo gandeme" ("assento do rei") e inspirado no assento real do soberano africano Kpengala (1774-1789), o trono foi remetido no início do século XIX para o Brasil, como um presente para Dom João VI. Considerada a peça mais valiosa da coleção de etnografia africana do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o trono foi destruído no incêndio de 2018.
O Reino do Daomé existiu no território hoje correspondente à nação africana do Benim. Constituído pelo povo Fon, que se estabeleceu na região entre o Rio Níger e a chamada "Costa dos Escravos", no litoral do Golfo da Guiné, o Reino de Daomé foi fundado por volta de 1600 e perdurou por mais de três séculos como uma nação independente, até ser colonizado pelos franceses em 1904. Daomé se converteu em uma relevante potência regional da África Ocidental no século XVIII, após estabelecer uma administração centralizada, um abrangente sistema tributário e forças armadas organizadas. A partir do reinado de Tebessú (1740-1774), os daomeanos intensificaram o comércio com as nações europeias e passaram a fornecer prisioneiros de guerra e negros capturados de etnias rivais para os mercadores de escravos. A prática perdurou até o século XIX, mas foi particularmente intensa sob o infame reinado de Adanuzam.
Filho de Agonglô, oitavo rei de Daomé, Adanuzam tinha um comportamento antissocial que causava preocupação ao pai desde a infância. Aconselhado pelo Oráculo de Fa, o rei Agonglô decidiu que seu filho mais novo, Guezô, seria seu sucessor. A desestabilização do reino após sua morte precoce, entretanto, permitiu que Adanuzam assumisse o trono, a despeito da vontade póstuma do pai. O reinado de Adanuzam seria marcado pela truculência e forte repressão do povo daomeano. Administrador inábil e ganancioso, o rei promoveu uma série de guerras desastrosas contra os povos vizinhos. Também começou a vender seus próprios súditos aos mercadores de escravos. Para evitar que seu meio-irmão Guezô ou outros membros da família real reivindicassem a coroa, decidiu bani-los ou vendê-los aos mercadores — incluindo a rainha Nã Agontimé, sua madrasta e mãe de Guezô, que foi enviada como escrava para o Brasil.
Adanuzam permaneceu no trono por 22 anos e não mediu esforços para consolidar seu poder e o controle sobre o comércio de cativos. Para eliminar os intermediários nas transações, mandou prender o brasileiro Francisco Félix de Sousa, que se tornara o maior traficante de escravos da cidade daomeana de Uidá. Após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro e a assinatura de um tratado entre Portugal e Inglaterra limitando o comércio atlântico de escravos, Adanuzam enviou uma missão diplomática ao Brasil, consistindo na visita de um grupo de embaixadores portando correspondências e presentes endereçados ao Príncipe Regente Dom João VI. A visita, concretizada em 1811, tinha por objetivo assegurar a continuidade do comércio de escravos entre as duas nações. No lote de presentes encaminhados ao soberano português estavam uma bolsa, uma bandeira de guerra, sandálias reais, um cetro e, conforme registrado na carta, "uma das cadeiras de minha terra". É possível, portanto, que essa cadeira fosse uma réplica do trono real de Adanuzam.
Em 1818, Guezô retornou a Daomé para reivindicar o trono. Apoiado pelos militares e pela população daomeana, conseguiu depor Adanuzam e assumiu o comando do país. Adanuzam foi preso e seus registros documentais foram apagados da história de Abomei, capital de Daomé. Uma das primeiras providências tomadas por Guezô após ascender ao poder foi despachar um corpo de emissários para o Brasil, a fim de localizar e resgatar sua mãe, Nã Agontimé. Um desses emissários era Dossuyévo, um daomeano que falava português. Os emissários de Guezô permaneceram na Bahia por três anos buscando a rainha, mas não obtiveram sucesso.
Alguns historiadores acreditam que foi nessa ocasião que o trono real de Adanuzam teria sido enviado para o Brasil, como um presente de Guezô para Dom João VI. Como o trono real era imbuído de caráter sagrado, Guezô não poderia destruí-lo, mas teria enxergado a oportunidade de se livrar da peça, remetendo-a para o outro lado do Oceano Atlântico. Essa hipótese não apenas estaria de acordo com o fenômeno do apagamento histórico dos vestígios do reinado de Adanuzam, como é reforçada por outro fato: no Museu Histórico de Abomei, estão conservados todos os tronos dos soberanos daomeanos — exceto o de Adanuzam.
O paradeiro da rainha Nã Agontimé somente foi identificado mais de um século depois. Em 1948, o pesquisador francês Pierre Verger conseguiu descobrir os nomes dos voduns cultuados no célebre templo de tambor Casa de Minas, localizado em São Luís, Maranhão, e cruzou as informações com os registros da família real daomeana. Verger descobriu então que Maria Jesuína, escrava que fundou a Casa de Minas em 1840, vondunce de Toi Zomadônu, era justamente a rainha Nã Agontimé. A tese de Verger foi confirmada por pesquisadores da UNESCO em 1985 e Nã Agontimé foi reconhecida como fundadora do culto da tradição Ewe-Fon no Brasil.
O culto dos 45 voduns era matriarcal e foi encerrado em 2015, após o falecimento de Mãe Deni de Tói Lepon, que não deixou nenhuma vodunce herdeira. O trono de Adanuzam, por sua vez, foi incinerado no incêndio que destruiu o prédio e o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2 de setembro de 2018, junto com as outras 700 peças da coleção de etnografia africana da instituição.
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