Chico Buarque
Chico Buarque retratado em 1970, após retornar do exílio na Itália. Cantor, compositor, escritor e dramaturgo, Chico Buarque é um dos maiores ícones da música popular brasileira (MPB), notabilizando-se pelo lirismo de suas obras, convertidas em clássicos do cancioneiro nacional, marcadas pela expressão poética e pela afirmação da arte como agente transformador da realidade. Politicamente engajado, construiu uma obra que reflete seu tempo, abrangendo as mais célebres músicas brasileiras de protesto e marcos políticos da dramaturgia nacional. Prolífica, sua obra contabiliza mais de oitenta discos, além de vários livros e peças de teatro.
Francisco Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1944, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda e da pianista Maria Amélia Cesário Alvim. Aos dois anos de idade, mudou-se com a família para São Paulo, onde o pai exerceu o cargo de diretor do Museu Paulista. Sete anos depois mudou-se para Itália, novamente por força dos compromissos profissionais do pai, então nomeado professor da Universidade de Roma. Na capital italiana, conviveu com intelectuais e artistas que visitavam seu pai, nomeadamente Vinícius de Moraes. Aos quinze anos compôs sua primeira música, intitulada "Canção dos Olhos". Também escreveu algumas operetas encenadas por suas irmãs, Miúcha, Ana Maria, Cristina e Maria do Carmo.
Após seu retorno ao Brasil, ingressou no curso de arquitetura da Universidade de São Paulo (USP), mas abandonou a graduação logo após o golpe militar de 1964, quando o clima de repressão se alastrou nos meios universitários. Dedicou-se então à carreira musical, lançando "Sonho de um Carnaval" e "Pedro Pedreiro" — obras já imbuídas das características que acompanhariam sua produção artística: o rigor lírico, a ligação com o samba urbano e o comprometimento social. Tornou-se nacionalmente conhecido em 1966, após vencer o Festival de Música Popular Brasileira com a canção "A Banda", interpretada por Nara Leão. Destacou-se novamente no festival do ano seguinte com "Roda Viva", interpretada em conjunto com o grupo MPB-4. Em 1968, venceu mais um concurso — o III Festival Internacional da Canção —, apresentando-se com "Sabiá", composta em parceria com Tom Jobim. O público, entretanto, contestou a vitória, manifestando sua preferência por "Pra não dizer que não falei das flores", canção de protesto de Geraldo Vandré que conquistou o segundo lugar.
Lançou diversas canções de sucesso em paralelo com os festivais, ajudando a consolidar a MPB — estilo que aliava a suavidade da bossa nova, tradições regionais e elementos do jazz estadunidense. Em junho de 1968, participou da Passeata dos Cem Mil — grande manifestação popular contra a ditadura militar sediada no Rio de Janeiro. Assediado e perseguido pelo regime militar, exilou-se na Itália, onde organizou alguns shows ao lado de Toquinho. Após retornar ao Brasil, dedicou-se a compor canções de protesto, frequentemente imbuídas de metáforas e alusões veladas à situação política e aos problemas sociais do país, como um meio de contornar a censura do regime militar. São exemplares desse contexto as obras "Construção", "Partido Alto", "Cálice", "Apesar de Você", "Meu Caro Amigo", "Milagre Brasileiro", "Acorda Amor", "Mulheres de Atenas", "Tanto Mar", entre várias outras.
Estreou na dramaturgia em 1965, quando musicou o poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, para a montagem da peça homônima exibida no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA). A partir de então, teve presença constante no teatro. Em 1967, escreveu o texto do espetáculo "Roda Viva", dirigido por José Celso Martinez Corrêa e estrelado por sua esposa, Marieta Severo. Convertida em um símbolo de resistência contra o regime, a montagem foi atacada por um grupo de 110 membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que invadiu o Teatro Galpão em São Paulo, destruindo o local e espancando os atores. Também escreveu o roteiro de "Calabar: o Elogio da Traição", uma releitura crítica que contesta o estigma imposto pela historiografia oficial a Domingos Fernandes Calabar, que aliou-se aos holandeses contra os portugueses durante a Insurreição Pernambucana. A peça seria censurada pelo regime militar. Outros textos de relevo incluem "Gota d'Água", elaborada em parceria com Paulo Pontes, "Ópera do Malandro", baseada na "Ópera dos Três Vinténs" de Bertolt Brecht e Kurt Weill, e "O Grande Circo Místico", inspirado no poema modernista homônimo de Jorge de Lima.
Paralelamente às músicas de protesto, elaborou canções que privilegiavam a expressão dos sentimentos. Fez canções sobre nostalgia ("Quem Te Viu, Quem Te Vê"; "Até Pensei", "Realejo", "Noite dos Mascarados"), sobre o amor ("Mulher, Vou Dizer o Quanto te Amo"; "Bom Tempo"), sobre os males de amar ("Com Açúcar e Com Afeto", "Atrás da Porta", "Trocando em Miúdos", "Olhos nos Olhos", "Pedaço de Mim"), sobre a sensualidade ("Morena de Angola", "Folhetim", "Tatuagem"), sobre o desalento e a frustração ("Desencanto") e sobre a esperança de dias melhores ("Rosa dos Ventos", "O Que Será?", "Cio da Terra"). Em Cuba, integrou o júri de teatro do prêmio Casa de las Américas, ocasião em que travou amizade com Pablo Milanés, Sílvio Rodriguez e outros compositores da Nueva Trova. Retornou a Cuba cinco anos depois, para participar do Primeiro Festival Internacional da Música Latina, em Varadero.
Nos anos oitenta, Chico Buarque tomou parte do projeto de criação coletiva baseada no poema de Patativa do Assaré, "Nordeste Já", que reuniu 155 artistas visando arrecadar fundos para apoiar os flagelados da Grande Seca no Nordeste, que vitimou 3,5 milhões de pessoas entre 1979 e 1984. Por ocasião do projeto, compôs as músicas "Chega de Mágoa" e "Seca d'Água". Participou ativamente dos comícios que marcaram o movimento das "Diretas Já" em prol da redemocratização e tornou-se apoiador do Partido dos Trabalhadores (PT), integrando todas as campanhas eleitorais disputadas por Luiz Inácio Lula da Silva. A partir dos anos noventa, dedicou-se à literatura, campo em que também se destacaria, vencendo por três vezes o Prêmio Jabuti — um pelo "Melhor Romance" ("Estorvo", 1992) e dois "Livros do Ano" ("Budapeste", 2004; "Leite Derramado", 2010). Manteve-se politicamente engajado, apoiando as candidaturas de Dilma Rousseff em 2010 e 2014, protestando contra o golpe parlamentar de 2016, contra a prisão política de Lula e em favor da eleição de Fernando Haddad em 2018. Em 2019, foi laureado com o Prêmio Camões, principal galardão literário do mundo lusófono, concedido pelo conjunto de sua obra.
Comentários
Postar um comentário