João Agripino e o Dia dos Namorados
O jovem João Doria, futuro governador de São Paulo, ao lado do seu pai, João Agripino Doria, criador do Dia dos Namorados no Brasil.
Na maioria dos países ocidentais, o Dia dos Namorados é comemorado em 14 de fevereiro, designado Dia de São Valentim. Conforme a hagiografia, São Valentim foi um sacerdote cristão que viveu no Império Romano durante o século III. À época, o imperador Cláudio II teria proibido os legionários de se casarem, por considerar que os soldados solteiros eram mais eficientes nas batalhas. Não obstante, Valentim teria desafiado a ordem imperial, continuando a celebrar secretamente os matrimônios.
Quando o imperador soube que os casamentos continuavam a ser realizados, ordenou a prisão do sacerdote. Na cadeia, Valentim recebeu flores, bilhetes e visitas de jovens que o agradeciam por celebrar o amor. Entre os visitantes, estava a filha cega de um carcereiro, por quem Valentim se apaixonou. Conforme a "Lenda Dourada" de Tiago de Voragine, durante seu julgamento, Valentim se recusou a renunciar à fé cristã, motivo pelo qual foi condenado à morte por decapitação. Seu martírio teria ocorrido em 14 de fevereiro do ano 270. Antes de sua execução, entretanto, Valentim teria restaurado milagrosamente a visão da filha do carcereiro. Após o martírio, a moça recebeu um bilhete de despedida, onde o sacerdote assinara "de seu namorado".
Assim como diversas outras celebrações paleocristãs, o martírio de São Valentim possui vínculos com as antigas tradições pagãs. A data 14 de fevereiro é a véspera da Lupercália — antiga festa pastoral romana em que se celebrava a fertilidade e a fecundidade feminina. A festa homenageia Luperco, deus da fertilidade e dos rebanhos, e envolvia o sacrifício de animais para a confecção de tiras de couro, utilizadas em rituais de açoites e de purificação — as chamadas "februa", de onde deriva a denominação do mês de "fevereiro". No século V, o Papa Gelásio I oficializou a comemoração do Dia de São Valentim em 14 de fevereiro, visando cristianizar a antiga celebração pagã da Lupercália. Combinada com os bacanais, a festa romana também serviu de inspiração ao carnaval.
Ao longo da Idade Média, consolidou-se o costume de entregar bilhetes para a pessoa amada no dia 14 de fevereiro. A igreja católica posteriormente abandonou a celebração do Dia de São Valentim, mas o costume popular perdurou e foi assimilado por ortodoxos e protestantes. No século XVII, ingleses e franceses passaram a se referir a data como "Dia dos Namorados" e em meados do século XIX os estadunidenses imbuíram a celebração de caráter comercial, introduzindo a confecção industrial de cartões e estimulando o hábito da troca de presentes.
Embora a celebração do Dia de São Valentim ocorra em Portugal e outras nações lusófonas, o costume não foi incorporado no Brasil — possivelmente pela concorrência com a celebração do carnaval. A data do Dia dos Namorados tupiniquim foi uma criação de João Agripino Doria. Descendente de uma aristocrática família de donatários de sesmarias, donos de engenhos e escravos, Agripino era um afluente publicitário e empresário — e pai de João Doria, governador do estado de São Paulo.
À época, Agripino era o diretor da Standard Propaganda, uma agência de publicidade que prestava serviços para a loja de departamentos Clipper. Agripino fora incumbido de achar uma solução para alavancar as vendas durante o mês de junho, tradicionalmente o período do ano em que o comércio tinha o pior desempenho. Propôs então uma campanha de celebração do Dia dos Namorados, estimulando os casais a trocarem presentes como uma prova de afeto.
A data escolhida foi 12 de junho, véspera do Dia de Santo Antônio, a quem se atribui a fama de casamenteiro e milagres para viabilizar dotes matrimoniais. Ao mesmo tempo em que provia uma justificativa para a celebração, a data também evocava a religiosidade popular. A campanha teve início em junho de 1949, amparada por slogans como "Não é só com beijos que se prova o amor!" e "Não se esqueçam: amor com amor se paga". A campanha fez sucesso e foi repetida nos anos seguintes, consolidando o novo festejo no calendário nacional.
Atualmente, o Dia dos Namorados é a terceira data de maior faturamento do comércio brasileiro, movimentando mais de 1,8 bilhão de reais, montante inferior apenas às vendas de Natal e do Dia das Mães. Agripino posteriormente faria carreira na política, elegendo-se deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Embora conservador, Agripino era nacionalista, defendia a necessidade de modernização do Brasil e apoiou o governo João Goulart. Após o golpe de 1964, o parlamentar teve seu mandato cassado e partiu para o exílio na França, onde passou a se dedicar à exportação de vinho.
O filho seguiu os passos do pai, tornando-se igualmente publicitário e político — com um desempenho pífio, em ambos os casos. Se o pai era um nacionalista, o filho se notabilizou por sua sanha entreguista e a obsessão pela privatização dos serviços públicos. E, longe de conseguir criar uma tradição nacional, dependeu de contratos publicitários demandados pelo próprio partido. A verve publicitária, entretanto, manifesta-se em algum nível durante as campanhas, quando Doria se fantasia de gari, agente de trânsito, pedreiro, cadeirante, tecnocrata eficiente e empreendedor. O marketing, de fato, não é dos melhores, mas sempre há quem compre.
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