A Operação Arenque Vermelho e o Partido Marxista-Leninista dos Países Baixos
Cartaz e uma capa do jornal "De Kommunist" do Partido Marxista-Leninista dos Países Baixos. O partido era uma legenda falsa, criada pela CIA e pelo serviço secreto holandês no âmbito da Operação Arenque Vermelho/Projeto Mongol.
Durante a Guerra Fria, os governos ocidentais incumbiram seu serviços secretos de criarem estratégias para desarticular as organizações socialistas e neutralizar o avanço da esquerda radical. Esses esforços incluíam a criação de think tanks, financiamento de organizações anticomunistas, cooptação dos aparelhos ideológicos, infiltração e sabotagem das organizações de esquerda e fartos investimentos na indústria do entretenimento de massa. Uma outra estratégia era particularmente inteligente e ousada. Consistia na criação de falsos partidos políticos de esquerda - organizações controladas por serviços secretos que se apresentavam como socialistas, mas eram utilizadas para combater o socialismo. Por meio dessas legendas, os serviços secretos obtinham acesso a informações confidenciais, rastreavam lideranças, planos e projetos da esquerda, manipulavam a militância, desarticulavam e ridicularizavam o campo progressista e avançavam suas próprias agendas.
Um dos casos mais notórios foi o do Partido Marxista-Leninista dos Países Baixos (MLPN, no acrônimo holandês). O partido foi criado em 1968 pelo Serviço de Segurança Doméstica (BVD) do governo holandês, em colaboração com a Agência Central de Inteligência (CIA) do governo dos Estados Unidos. Os holandeses batizaram o plano de "Projeto Mongol" e os estadunidenses de "Operação Arenque Vermelho". A liderança do MLPN foi entregue a um agente do BVD chamado Pieter Boevé, que utilizaria por décadas o pseudônimo Chris Petersen. Boevé era um matemático que ingressou no serviço secreto holandês em 1955. Antes de ser designado para assumir a liderança do Projeto Mongol, ele já havia se infiltrado no Centro Marxista-Leninista dos Países Baixos, por meio do qual estabeleceu contatos com socialistas do Leste Europeu, da União Soviética e da China. Em 1968, Boevé simulou um desentendimento ideológico com o Centro Marxista-Leninista e "fundou" a legenda falsa.
O MLPN tinha seu próprio jornal, o "De Kommunist", que se tornou influente em alguns setores da esquerda holandesa pela defesa apaixonada do purismo ideológico - embora fosse inteiramente escrito por agentes do BVD. O partido também alegava representar os princípios do maoísmo e criticava o "revisionismo" do Partido Comunista dos Países Baixos, alinhado ao governo da União Soviética. Ator excepcional e com bom domínio das teorias marxistas-leninistas e do ideário maoísta, Boevé encantou as lideranças do Partido Comunista da China com seu falso zelo revolucionário. Passou a ser considerado um aliado por Pequim, sendo homenageado pelo Diário do Povo e convidado para reuniões com o próprio Mao Tsé-Tung. Boevé fez 25 viagens para a China e se encontrou com quase todos os líderes socialistas do Ocidente, tornando-se especialmente próximo do governo socialista da Albânia. "Eu poderia fazer discursos por horas e você pensaria que o próprio Mao Tsé-Tung foi meu professor", afirmou Boevé após sua aposentadoria. Após os encontros, reunia-se com os serviços secretos holandês e estadunidense para repassar as informações.
Além de Boevé, que ocupava o cargo de secretário-geral, o presidente do MLPN e os membros do comitê central eram todos agentes do governo holandês. A imensa maioria dos filiados do partido, entretanto, eram ativistas desavisados, que nada sabiam sobre a Operação Arenque Vermelho e acreditavam de fato estar militando pela organização mais revolucionária dos Países Baixos, enquanto eram usados como massa de manobra pela CIA e pelo BVD. O MLPN elaborava listas com os nomes dos militantes socialistas, rastreava a rotina das principais lideranças de esquerda e entregava essas informações para a polícia secreta holandesa. O partido também incitava seus militantes a criticarem o "revisionismo" do Partido Comunista dos Países Baixos e do governo da União Soviética e atacarem outras legendas progressistas, com o objetivo de fragmentar e enfraquecer o movimento socialista legítimo na Holanda. Ao mesmo tempo, o partido emitia comunicados regulares denunciando verdadeiros socialistas e comunistas como traidores ou espiões, instando sua militância a rejeitá-los e as lideranças estrangeiras, como o governo da China, a isolarem potenciais aliados.
Após as reformas econômicas chinesas iniciadas em 1978, o MLPN deixou sua atuação internacional em segundo plano e passou a focar na desarticulação da esquerda holandesa. O partido foi dissolvido em 1990, um ano após a Queda do Muro de Berlim, quando os governos dos Estados Unidos e da Holanda consideraram que a missão já havia cumprido seu objetivo de forma integral.
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