Acordos MEC-USAID


Estudantes protestam contra os Acordos MEC-USAID, após a revelação de que o governo dos Estados Unidos havia ditado a reforma educacional implementada pela ditadura militar brasileira. São Paulo, 1966.

A deposição de João Goulart no golpe de Estado de 1964 e a subsequente instauração da ditadura militar propiciaram uma série de modificações nas políticas públicas brasileiras que visavam subordinar o país aos interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos. Desde o início dos anos sessenta, o governo estadunidense já buscava intervir na política brasileira, mobilizando os setores liberais e conservadores através da ação de think tanks ligados à CIA — o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES). Essas organizações tiveram papel fundamental em articular a ruptura institucional, financiando campanhas antigovernistas, cooptando parlamentares e organizações conservadoras e articulando grandes protestos populares. Por fim, o governo dos Estados Unidos garantiu aos golpistas brasileiros apoio militar para efetuar a deposição de Goulart durante a chamada "Operação Brother Sam".

Logo após a concretização do golpe, os militares brasileiros colocaram em prática um projeto de subordinação do país aos ditames dos Estados Unidos. Uma das primeiras medidas originadas nesse contexto foram os Acordos MEC-USAID, firmados entre o Ministério da Educação do Brasil (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, no acrônimo em inglês) — órgão responsável por promover os interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos, mascarando-os como ações de ajuda internacional. Para efetuar a implementação do programa, o governo estadunidense impôs ao regime militar brasileiro a contratação de assessoramento remunerado, pago com verbas do erário.

Os Acordos MEC-USAID tinham como proposta inicial avançar a agenda de privatização do ensino público, motivo pelo qual demandavam limitação dos investimentos do governo na educação. O acordo também previa a redução do ensino de ciências humanas. O curso de história teve sua carga horária cortada pela metade e matérias como filosofia e educação política foram retiradas do currículo escolar, sob a alegação e que eram "obsoletas". Por outro lado, criaram-se novas disciplinas como "Educação Moral e Cívica". O objetivo dessas alterações era substituir matérias que fomentassem o pensamento crítico e a capacidade analítica por outras que facilitassem a doutrinação, o controle social e a exaltação ufanista do regime. Ao mesmo tempo, o enfoque tecnicista visava subordinar o currículo do ensino público às necessidades econômicas e aos interesses do mercado.

A reforma instituiu o ensino obrigatório da língua inglesa nas escolas públicas e adaptou o currículo-base de todas as matérias ao conteúdo programático dos cursos estadunidenses. O ensino básico foi reduzido de 12 para 11 anos, resultando em um ciclo de níveis inferior ao dos Estados Unidos, Canadá e países europeus. Os antigos cursos primário (5 anos) e ginasial (4 anos) foram fundidos com o nome de "primeiro grau" e duração total de 8 anos. O curso científico e o clássico também foram fundidos e renomeados como "segundo grau". O regime militar também se comprometeu a privatizar as universidades públicas e investir verbas do erário no fomento às fundações e universidades particulares.

Em 1966, documentos relacionados aos Acordos MEC-USAID vazaram para o público, causando forte repercussão negativa. Educadores e estudantes se indignaram com a ingerência de um país estrangeiro nos assuntos educacionais brasileiros e iniciaram uma série de protestos. O governo militar respondeu com repressão brutal, além de colocar as entidades estudantis na clandestinidade. As críticas, entretanto, continuaram e logo ecoaram na imprensa internacional. Pressionado, o regime militar acabou por instituir um grupo de estudos para modificar a reforma ditada pelo governo estadunidense em 1968. A reforma foi "abrasileirada" e os tópicos mais controversos — tais como a privatização das universidades públicas — foram retirados da pauta. A maioria das modificações efetuadas pelos Acordos MEC-USAID, entretanto, continuaram em vigor e muitos elementos dessa reforma seguem existindo até hoje no ensino público.

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