Explosão da Base de Alcântara


Um soldado observa os destroços da plataforma de lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS) no Centro de Lançamento de Alcântara, Maranhão. Em 26 de agosto de 2003, uma grande explosão destruiu o foguete e sua plataforma, matando 21 engenheiros e técnicos civis. A explosão ocorreu três dias antes do lançamento do primeiro foguete construído com tecnologia brasileira, que visava colocar em órbita um satélite meteorológico. O incidente causou um enorme retrocesso ao programa espacial brasileiro, em função da morte de alguns dos maiores especialistas em engenharia espacial do país. O comando da Aeronáutica atribuiu oficialmente a explosão a uma falha elétrica, mas militares, membros do governo e especialistas em astronáutica apontaram sabotagem como a causa mais provável do incidente.

Inaugurado em 1983, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi construído como uma alternativa às limitações físicas da base da Barreira do Inferno. O CLA entrou em operação em 1989, durante a "Operação Pioneira", lançando mísseis do tipo SBAT. A base de Alcântara é considerada o melhor centro de lançamentos do mundo em localização geográfica, por estar a apenas dois graus da Linha do Equador. A velocidade de rotação da Terra na altura do Equador auxilia o impulso dos lançadores, o que permite uma redução de até 30% no consumo de combustível. Além disso, a disposição da península de Alcântara possibilita lançamento de todos os tipos de órbita, de equatoriais a polares, e as condições climáticas estáveis, com regime de chuvas bem definido e ventos amenos, facilitam o funcionamento da base durante todas as estações do ano. A construção do CLA ocorreu em paralelo ao desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites - o primeiro foguete produzido com tecnologia nacional.

Desde o início, a base de Alcântara e o desenvolvimento do VLS incomodaram os interesses geopolíticos das potências ocidentais - sobretudo Estados Unidos e França. A autonomia no lançamento e operação de satélites incrementaria a capacidade militar e de espionagem do Brasil, ao passo que o domínio da tecnologia utilizada na produção de foguetes como o VLS permitiria ao país o desenvolvimento de mísseis de longo alcance. Além disso, uma base de lançamentos localizada próxima à Linha do Equador seria muito competitiva, com um enorme potencial para abocanhar largas fatias do lucrativo mercado do lançamento de satélites comerciais, dominado pelos Estados Unidos e pelas potências europeias.

As tentativas de barrar o avanço do programa espacial brasileiro começaram já nos anos oitenta. Em 1986, instalações do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial foram invadidas por um bando armado, que subtraiu documentos confidenciais sobre o VLS e a base de Alcântara. O projeto de utilizar o VLS para colocar em órbita o Satélite de Sensoriamento Remoto (SSR-1) desenvolvido pelo INPE também passou a sofrer boicote de políticos e militares subordinados aos interesses estadunidenses. Em 1991, Fernando Collor cedeu à pressão dos Estados Unidos e rejeitou um acordo de transferência de tecnologia aeroespacial proposto pela Rússia. Também cortou a subvenção ao VLS, preferindo celebrar contrato com a Orbiter, que colocou o SSR-1 em órbita durante o voo experimental do foguete estadunidense Pegasus.

A subordinação do programa espacial brasileiro aos interesses estadunidenses aprofundou-se durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que submeteu o Brasil ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, em obediência às ordens de Washington. Durante o primeiro mandato de FHC, o governo dos Estados Unidos confiscou os motores do VLS que haviam sido encaminhados para tratamento térmico em uma siderúrgica estadunidense. FHC estabeleceu sucessivos cortes orçamentários que levaram ao sucateamento e desmonte do Instituto de Aeronáutica e Espaço e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial. Em 1994 foram realizados os primeiros testes dos motores S-43 do VLS, interrompidos por uma explosão. O incidente foi investigado pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica, que o classificou como fruto de sabotagem. FHC também indicou Luiz Gylvan Meira Filho para presidir a Agência Espacial Brasileira (AEB). Próximo do governo estadunidense, Meira Filho estabeleceu uma série de contratos de serventia duvidosa com a NASA, a qual foram repassados recursos públicos vultosos sem qualquer contrapartida de transferência tecnológica.

Como um sintoma do desinteresse da gestão FHC pelo programa espacial brasileiro, nenhuma autoridade governamental compareceu ao lançamento dos dois protótipos do VLS em 1997 e 1999. No ano 2000, o governo FHC assinou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, passando o controle da base aeroespacial de Alcântara para os Estados Unidos. O documento dava à NASA o uso exclusivo das instalações, proibia o acesso de brasileiros à base e determinava que os materiais trazidos pelos Estados Unidos ao Brasil não poderiam ser inspecionados ou vistoriados pelas autoridades nacionais. O acordo também proibia o Brasil de produzir foguetes e de investir em tecnologia espacial de uso militar, forçando-o a desistir do desenvolvimento do VLS. As cláusulas foram consideradas lesivas à soberania nacional e acabaram sendo modificadas por ação do Congresso.

Em 2003, no começo do primeiro mandato de Lula, o governo brasileiro anunciou que não daria continuidade às negociações do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, por considerá-lo desvantajoso para o Brasil. Paralelamente, o país retomou as negociações com a Rússia, que havia proposto um acordo de transferência de tecnologia de motores de propulsão líquida para uso no VLS, em troca da permissão de utilização compartilhada da base de Alcântara. O Brasil também firmou acordo de cooperação com a Ucrânia, visando fabricar um novo foguete lançador de satélites - o Cyclone 4.

Em agosto de 2003, poucos meses após o estabelecimento das novas diretrizes do programa espacial brasileiro, ocorreu a explosão do VLS e de sua plataforma na base de Alcântara. A explosão matou 21 engenheiros e técnicos que compunham a cúpula da ciência aeroespacial brasileira e deixou prejuízos materiais estimados em mais de 100 milhões de reais. O incidente ocorreu três dias antes do lançamento oficial do VLS. A explicação do comando da Aeronáutica asseverava que a explosão teria decorrido de uma falha elétrica que fez com que o foguete entrasse em processo de ignição antes da hora. A justificativa, entretanto, foi recebida com muitas reservas por militares e acadêmicos - que apontaram sabotagem como uma causa mais provável para o incidente. Transmissão por radiofrequência, disparo de ondas eletromagnéticas e mesmo um tiro com um fuzil Barret .50 foram apontados por especialistas como métodos de sabotagem compatíveis com a detonação.

Outros acontecimentos reforçam a hipótese da sabotagem. Uma comissão parlamentar apontou a existência de interferências eletrônicas oriundas de navios estrangeiros ancoradas na Baía de São Marcos, nos arredores da base, do dia do lançamento. Nas semanas que antecederam a explosão, testes realizados no CLA foram interrompidos por interferências eletrônicas emitidas por uma aeronave E-2C Hawkeye da Força Aérea dos Estados Unidos, que sobrevoava a base. A suspeita de tentativa de sabotagem era tão grande que a Aeronáutica decretou uma zona de interdição em um raio de 100 quilômetros em torno do CLA e alterou diversas vezes a data do lançamento do VLS. Dias antes do lançamento, os militares também fizeram um levantamento nos hotéis do Maranhão e descobriram que 20 "turistas" estadunidenses estavam hospedados em hotéis de Alcântara - algo inusitado para a pequena cidade de 20 mil habitantes.

Boias com equipamentos de telemetria também foram apreendidas nas praias próximas à base de Alcântara. Os equipamentos eram dotados de baterias de longa duração e painéis solares. Acionados por controle remoto via satélite, os dispositivos tinham a a capacidade de causar interferência nos sistemas de navegação de foguetes, além de capturar, enviar e processar dados de longa distância. Nenhuma empresa ou país admitiu ser proprietário dos equipamentos. Suspeitas de sabotagem também recaíram sobre a França, que foi alvo de investigações da ABIN. A justificativa estava no fato de que a base de Alcântara poderia se converter na principal concorrente do Centro Espacial de Kourou, localizado na Guiana Francesa, caso começasse a lançar satélites comerciais.

Os Estados Unidos seguiram tentando boicotar o programa espacial brasileiro após a explosão na base de Alcântara. Em 2011, o WikiLeaks publicou um telegrama diplomático enviado pelo governo dos Estados Unidos à sua embaixada em Brasília, contendo recomendações às autoridades ucranianas. No documento, o governo dos Estados Unidos afirma ter "uma política de longa data" que visa impedir o Brasil de ter um programa de produção de foguetes espaciais e orienta o governo ucraniano a não transferir tecnologia do setor aos cientistas brasileiros: "Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os Estados Unidos não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil", afirmava o telegrama. Em 2018, o governo dos Estados Unidos autorizou a publicação de um lote de documentos produzidos pela CIA que perderam o status de confidencialidade. Entre os documentos, há relatórios demonstrando que o serviço secreto estadunidense monitorava o programa espacial brasileiro desde os anos oitenta e agiu para obstruir acordos de cooperação científica com outros países.

Quase duas décadas após a explosão na base de Alcântara, o programa espacial brasileiro ainda não se recuperou das perdas. Ao contrário - desde 2016, o setor enfrenta sucessivos cortes orçamentários, levando à paralisação de pesquisas e ao sucateamento e desmonte da estrutura preexistente. Em 2018, o Brasil abandonou oficialmente o projeto de construção do um foguete lançador de satélites em parceria com a Ucrânia. Em março de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou com Donald Trump um novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, transferindo o uso da base aeroespacial de Alcântara para os Estados Unidos. O acordo já foi aprovado pelo Congresso brasileiro e entrará em vigor a partir de 2022, dando aos estadunidenses o tão almejado controle exclusivo do centro aeroespacial.

Comentários

  1. Não remanesce dúvida de que houve uma interferência Norte Americana com o fim de nossa caminhada tecnológica. O acordo assinado por Jair Bolsonaro com seu comparsa Donald Trump faz crer que um CONCERTO DE INTERESSES foram impostos ao Brasil.

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  2. Poderiam ter Podcast sobre os assuntos seria muito bom.

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  3. Obrigado pela divulgação das informações, é sempre bem-vindo saber das corrupções feitas ao nosso Povo. Mais uma vez, muitíssimo obrigado pelo texto.

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  4. "Transmissão por radiofrequência, disparo de ondas eletromagnéticas e mesmo um tiro com um fuzil Barret .50 foram apontados por especialistas como métodos de sabotagem compatíveis com a detonação."

    Qual especialista cometeria essa tola redundância ao dizer "transmissão por radiofrequência, disparo de ondas eletromagnéticas"? Só quem nao tem ideia do que sejam ondas eletromagnéticas! Infelizmente os babacas imperialistas EUA nem precisam sabotar nossas aventuras espaciais. Basta nossa incompetência e...Bum! Gente, sejamos honestos. Basta de vitimismo e ilusão sobre o Brasil. Parece o Globo Repórter que a cada sexta feira apresenta uma descoberta científica revolucionaria brasileira que nunca se torna realidade.

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    1. Você está certíssimo! Eu, que era quem decomutava os dados de telemetria na época, posso afirmar que temos mais a temer por nossos próprios erros, tropeços e baixo investimento e baixos salários aos servidores civis, os quais são os que correm realmente riscos. E só para não deixar dúvidas: naquela fatídica semana de 22 agosto de 2003, dois dias antes, uma quarta-feira, dia 20, durante a segunda simulação da semana, surgiu um indicativo que apontava o booster A do primeiro estágio com se estivesse ignitando, com pressão propulsor incompatível com um foguete estável na plataforma de lançamento. Pois bem, o relatório do acidente do VLS, disponível na internet, deixa claro que foi esse booster que ignitou intempestivamente e levou à sequência fatal. Ou seja, já havia um problema. Como técnico que monitorava esse problema, trabalhando faz 37 anos para esse projeto, recuso-me a acreditar em teorias bobas de conspiração, pois nós bem sabemos que quem mais nos sabota são os mesmos de sempre - de esquerda, de direita, de centro, pouco importa.

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    2. Dois canalhas metendo o bedelho aqui, voce e o tal do holtz! Malditos sejam! #Sem anistia pra traidores do Brasil!

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  5. Seu codinome "Gladstone" é indicativo e dá sentido à tentativa de desconstrução do que você chama aqui de "teorias bobas de conspiração". Pode até ter razão mas, se visitarmos a História, que é suspeito, ah, isso é. Nada absurdo suspeitar, até prova em contrário.

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