João Amazonas


João Amazonas fotografado em 1958. Teórico marxista e expoente do movimento operário, João Amazonas foi fundador e dirigente histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCdoB) e organizador da Guerrilha do Araguaia, principal movimento armado de combate à ditadura militar brasileira.

Nascido em Belém, capital do Pará, em 1º de janeiro de 1912, João Amazonas iniciou sua militância política participando da Revolução de 1930 — movimento armado que encerrou o pacto oligárquico da República Velha, dando origem à Era Vargas. Alguns anos depois, em 1935, Amazonas se filiou ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB) e logo se tornou integrante do comitê estadual da agremiação. Nesse mesmo ano, fundou uma célula comunista na empresa em que trabalhava e organizou o sindicato da sua categoria. Também assumiu o cargo de dirigente regional da Aliança Nacional Libertadora (ANL) — frente antifascista que fazia oposição ao integralismo e ao governo Vargas, composta majoritariamente por militantes comunistas e tenentistas. Ainda em 1935, Amazonas foi preso, acusado de  possuir ligações com militares que participaram do Levante Comunista de 1935, mas foi absolvido no decorrer do processo.

Membro ativo da União dos Proletários de Belém, Amazonas ajudou a fundar diversos sindicatos na década de trinta. Em 1939, foi preso durante a repressão aos comunistas empreendida por Filinto Müller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas. Condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, Amazonas foi submetido a uma rotina de torturas e maus tratos, mas logrou obter a transferência para outra unidade prisional após conduzir uma greve de fome. Em 1941, fugiu da prisão acompanhado de outros quatro membros do PCB e se refugiou em Goiás. Participou do esforço de reorganização nacional do PCB e tomou parte da Conferência da Mantiqueira (1943), durante a qual ocorreu a reestruturação do partido e a eleição do novo Comitê Central, ao qual foi integrado.

Em 1945, após a redemocratização e legalização do PCB, João Amazonas foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro e integrou a bancada do PCB na Assembleia Nacional Constituinte. Dedicou-se durante seu mandato às questões trabalhistas, defendendo o direito de greve, a liberdade sindical, a proibição do trabalho infantil e a instituição da Justiça do Trabalho. Também subscreveu os "Quinze Pontos do Programa Mínimo de União Nacional" elaborados pelo PCB, encampando novas bandeiras como a defesa da extensão do voto aos analfabetos e militares de baixa patente. Na condição de dirigente nacional do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), Amazonas participou do Congresso Sindical e ajudou a fundar a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Em 1947, após o cancelamento do registro eleitoral do PCB, João Amazonas escreveu os textos "Em defesa dos mandatos do povo" e "Contra a cassação dos mandatos e pela defesa nacional" — este último em colaboração com Carlos Marighella e Maurício Grabois. No ano seguinte, entretanto, teve seu mandato cassado, assim como os demais parlamentares do partido. Seguiu atuando clandestinamente, tornando-se um dos principais dirigentes do PCB, ao lado de Luís Carlos Prestes e Diógenes Arruda.

Em 1956, Amazonas tomou parte dos debates insuflados pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, durante o qual Nikita Kruschev apresentou seus relatórios com críticas a Josef Stalin. Os debates levaram o PCB a uma crise interna, com a divisão dos correligionários em dois grupos bem definidos — o de Luís Carlos Prestes, que aceitou a nova orientação soviética, e o de Amazonas e Grabois, que a rejeitaram em favor do modelo socialista chinês. Acusado de ser "stalinista", Amazonas foi submetido a severas críticas publicadas pelos órgãos de imprensa do PCB, além de ter sido afastado de seu posto na comissão executiva da legenda. Após o lançamento da Declaração de Março, em que o PCB modificou sua linha partidária para acomodar os princípios de transição pacífica para o socialismo e de manutenção dos processos democráticos, ocorreu a cisão definitiva entre as duas tendências. Sob a liderança de Amazonas, o grupo dissidente divulgou a Carta dos Cem, acusando a direção do PCB de violar os princípios partidários.

Em 1962, Amazonas e os dissidentes do PCB (já renomeado como Partido Comunista Brasileiro) convocaram um novo congresso extraordinário, oficializando a cisão e fundando o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A nova legenda reafirmava sua adesão aos fundamentos do marxismo-leninismo, defendia o legado de Josef Stalin e reivindicava o modelo do socialismo chinês. Também tinha por princípio a defesa do internacionalismo proletário, a oposição  ao imperialismo e a aceitação da estratégia da guerra revolucionária como meio de tomada do poder. Amazonas foi eleito secretário-geral do PCdoB e atuou para consolidar a nova agremiação, lançando o seu órgão de imprensa oficial ("A Classe Operária") e obtendo o reconhecimento internacional, recebendo o status de "legenda irmã" do Partido Comunista da China (PCCh) e do Partido do Trabalho da Albânia.

Após a deposição de João Goulart no golpe de 1964 e a subsequente instauração da ditadura militar, o PCdoB passou a atuar clandestinamente. Amazonas buscou articular a resistência ao regime com a criação de dois eixos de ação, consistindo na criação de frentes antifascistas nas cidades e de núcleos de luta armada no campo. Em maio de 1966, após retornar das comemorações do Dia do Trabalhador em Cuba, Amazonas teve seus direitos políticos cassados por dez anos. A partir do mês seguinte, passou a enviar secretamente quadros do partido para a região do "Bico do Papagaio", na divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins, onde foi estabelecido um núcleo de treinamento e guerrilha. Era o início do movimento revolucionário da Guerrilha do Araguaia, que atuaria na região ao longo de sete anos. Em 1967, Amazonas viajou para a China, para observar a implementação da Revolução Cultural. Após voltar para o Brasil, transferiu-se para a região do Araguaia, onde passou a se dedicar à preparação da guerrilha e ao trabalho de formação política junto às comunidades camponesas da região.

A partir de 1972, o general Emílio Garrastazu Médici iniciou o cerco e aniquilamento da Guerrilha do Araguaia. A prisão dos membros da comissão dirigente da guerrilha em 1973 facilitou o isolamento dos guerrilheiros, enfraquecendo o movimento. O exército coordenou mais duas expedições de enfrentamento contra a organização, levando ao extermínio da maioria dos guerrilheiros e à completa desarticulação do movimento em 1975. Perseguido pelos militares, Amazonas se exilou na Albânia. Em 1976, empreendeu sua última viagem à China, rompendo oficialmente com o PCCh pouco tempo depois, criticando as mudanças políticas oficializadas após a morte de Mao Tsé-Tung. Nesse mesmo ano, agentes dos órgãos de repressão conduziram a Chacina da Lapa, após invadirem uma reunião clandestina do comitê central do PCdoB em São Paulo, matando Pedro Pomar, Ângelo Arroio e João Batista Drummond e prendendo vários outros correligionários da agremiação.

Amazonas retornou ao Brasil após a promulgação da Lei da Anistia, em agosto de 1979. Após a extinção do sistema bipartidário, recusou a possibilidade de reunificação do PCdoB com o PCB, acusando a legenda antecessora de revisionismo e de possuir uma "tendência abertamente de direita". Ao mesmo tempo, teve de lidar com uma séria crise em seu partido, resultante de disputas internas que levaram à destituição das direções regionais de São Paulo e Bahia e ao afastamento de cinco membros do comitê central. Em 1982, Amazonas foi processado pela Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de incitar a luta armada, após a publicação do livro "Guerrilha do Araguaia". Na eleição de 1982, os candidatos do PCdoB concorreram pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), uma vez que a legenda ainda não havia sido legalizada. No ano seguinte, Amazonas causou alvoroço na imprensa ao defender uma onda de saques a lojas e supermercados em São Paulo, afirmando que "só quem desconhece a situação de meio milhão de desempregados pode se surpreender com tais fatos".

O PCdoB retornou à legalidade em 1985, participando sob legenda própria no pleito de 1986, em que elegeu seis deputados federais. Amazonas se recusou a apoiar o governo de transição de José Sarney, afirmando que só iria aderir ao "pacto social" se houvesse a inclusão de uma série de medidas que previam, por exemplo, a suspensão do pagamento da dívida interna. Sob a liderança de Amazonas, o PCdoB participou da Assembleia Nacional Constituinte, que redigiu a Constituição brasileira de 1988. Amazonas integrou a primeira audiência pública da Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, durante a qual defendeu a adoção do parlamentarismo e a eleição em dois turnos para a Presidência da República. Criticou duramente as reformas empreendidas por Mikhail Gorbatchev na União Soviética, descrevendo-as como uma "farsa capitalista" e enxergando sua origem no "retrocesso iniciado em 1956 com Kruschev".

No pleito de 1989 — a primeira eleição direta para presidente desde o golpe de 1964 —, Amazonas e o PCdoB apoiaram a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), constituindo a "Frente Brasil Popular", integrada ainda pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Voltou a apoiar a candidatura de Lula em 1994 e 1998. Paralelamente, liderou a oposição do PCdoB ao governo de Fernando Henrique Cardoso, orientando voto dos parlamentares contra a extinção dos monopólios estatais nos setores de telecomunicações e exploração de petróleo e participando das manifestações contra a emenda constitucional que estabeleceu a reeleição. Debilitado, deixou a presidência do PCdoB em 2001. Faleceu em São Paulo no ano seguinte, em 27 de maio de 2002, aos 90 anos.

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